

História do Movimento de Reforma - A tentativa de sarar as feridas
- Em: História
- Por: Alexandre de Araújo
A exclusão de membros e a posição de não participar da guerra não foi um acontecimento restrito a Alemanha. Depois que o conflito chegou ao fim, em 1918, descobriu-se que o a problema aconteceu também em outros 15 países. Na época a forma deste povo entrar em contato era através de correspondência. Esse grupo queria que a sua situação fosse reconsiderada pela igreja. Eles não tinham o mínimo interesse em formar uma nova igreja.
Quando terminou a guerra, estes crentes resolveram se reunir para buscar uma solução comum para o problema. Por isso eles escolheram um país neutro ao conflito mundial que havia acabado. A planejada reunião aconteceu na Suíça, no outono de 1919. Nela compareceram 16 irmãos representando os crentes excluídos. Não havia interesse em discutir a criação de uma nova organização religiosa, mas sim da possibilidade levar a situação deles perante a direção mundial da Igreja Adventista.
No ano seguinte, 1920, foi realizado o aguardado encontro entre os representantes do grupo de excluídos e a direção da Obra nos Estados Unidos e na Europa. Essa reunião foi realizada no Colégio Adventista de Friendensau, Alemanha, onde funcionava a Escola Missionária. Ele aconteceu entre os dias
Segundo escritor e ex-vice-presidente da Associação Geral, o falecido pastor Enoch de Oliveira, desde o início a direção da Igreja Adventista tentou reconciliar as partes envolvidas na questão. Ele escreveu:
“Animado pelo desejo de sarar a ferida e consolidar a unidade da Igreja, Daniells deplorou o erro cometido pelos dirigentes nacionais [...] Os dirigentes da Igreja na Alemanha (exceto Conradi) valeram-se da ocasião para confessar seus erros e lamentar as consequências. Dirigindo-se então aos líderes do Movimento da Reforma, estendendo a mão da reconciliação, o pastor Daniells convidou a abandonar o espírito beligerante e unirem- se à família adventista. Os apelos do presidente entretanto, não foram tomados em consideração. Dir-se-ia que os vocábulos ‘pacificação’, ‘reconciliação’, e ‘união’ haviam sido riscados do dicionário reformista.”[1]
Essa forma de colocar a questão transfere a responsabilidade da reconciliação não ter dado certo para o Movimento de Reforma. A impressão que se tem é que a culpa da separação é da minoria. Porém, será que isto é verdade? Quando comparamos com o que se conversou em Friedensau esta versão parece apenas uma desculpa para denegrir a origem do Movimento de Reforma perante os membros da igreja. É como se dissessem: “Olha, nós fizemos de tudo para evitar a separação. Apesar do erro que cometemos, nós pedimos perdão. O problema não estava conosco, mas com a liderança do Movimento de Reforma, que era irreconciliável e intransigente.” Mas isso não é o que se lê no Protocolo. Compare as afirmações do Pastor Enoch de Oliveira com o que foi registrado durante as reuniões em Friedensau. O que está escrito no Protocolo?
Foi dada liberdade de consciência para os membros participarem da guerra: “Adotamos essa resolução, a saber: que cada qual devia agir na questão de acordo com sua consciência.”[2]
Nenhum membro que participou da guerra foi excluído: “Devemos, no entanto, conceder a cada cidadão o privilégio de adotar uma atitude que esteja de acordo com sua consciência em relação ao governo. Nem uma dessas pessoas foi excluída de nossa Igreja. Nem uma foi tratada como se não fosse cristã.”[3]
Para o presidente da Associação Geral, pastor Daniells, a questão da guerra foi considerada insignificante: “Temos sentido que devíamos considerar como a falta mais grave o fato de permitir que se produzisse uma separação entre nós por causa desses problemas tão insignificantes.”[4]
A posição que a direção da Obra na Europa foi apoiada pela Associação Geral: “Os irmãos da América do Norte representaram o mesmo ponto de vista, moderado e tolerante, tal, como ao aceitaram nossos irmãos na Europa.”[5]
“Nós, na América do Norte, tivemos tempo, mas apesar de nossas opiniões que tínhamos acerca da declaração dada, não enviamos à Europa nenhuma palavra de reprovação.”[6]
Os membros da igreja que participaram como combatentes foram chamados de fiéis pela Associação Geral: “E também posso dizer que nossos irmãos da Europa são igualmente fiéis, são tão fiéis no espírito e em todo o seu proceder como nossos irmãos a América do Norte [..] Mas, ao considerarmos o espírito e as intenções que as motivaram, verificamos que esses irmãos permaneceram, como nós, igualmente sinceros e fiéis à obra.”[7]
A direção da igreja estava preocupada com os bens da Igreja: “E enquanto está em vigor a lei marcial, existe ainda o grande perigo de que o governo nos entenda mal [...] Temos grandes instituições e interesses em bens.”[8]
A posição do Movimento Opositor de não participar da guerra foi considerada como errada: “Cremos que os pontos de vista que defendeis são totalmente errôneos.[9]
Reflita:
· Onde está o espírito de reconciliação que segundo Enoch de Oliveira existia na reunião de Friedensau?
· Em que momento os dirigentes da obra na Europa pediram perdão? Quando eles foram repreendidos?
· Quem foi condenado por sua atitude? A direção da obra na Alemanha ou o Movimento Opositor?
Quando as palavras de Enoch de Oliveira são comparadas com o que foi dito na reunião de reconciliação percebemos que elas não conferem com a verdade. O que realmente transparece pela leitura do Protocolo é que em nenhum momento os dirigentes europeus pediram perdão ou que mesmo foram repreendidos. A atitude do Movimento Opositor foi condena com firmeza e sua razão foi tirada totalmente. Afinal, quem foi intransigente e irreconciliável? No início do encontro o pastor Daniells procurou acalmar os ânimos tentando tomar uma posição conciliadora, mas a medida que as reuniões se sucediam ele foi se posicionando claramente à favor da direção da Obra na Europa.
Questões fundamentais
Os porta-vozes do Movimento Opositor resumiram as questões de divergência em quatro perguntas:
Primeira: “Que posição toma a Conferência Geral a respeito da resolução adotada pela liderança na Alemanha, desde 1914, concernente ao quarto e sexto mandamentos?”
Segundo: “Que provas podem-nos apresentar de que não seguimos o caminho bíblico para com os irmãos, conforme somos acusados no último número do Zions-Waechter, n°s 13 e 14 de julho de 1920”.
A terceira pergunta dizia respeito a problemas doutrinários que a igreja na Europa estava enfrentando. Ela abordava então dois aspectos: “Qual é a posição da Conferência Geral, e dos irmãos americanos, a respeito dos Testemunhos da irmã White? São eles inspirados por Deus ou não? Devemos ou não devemos continuar apresentando a Reforma de Saúde (conforme está nos Testemunhos) como braço direito da mensagem?”
A última pergunta mexia em uma ferida que era a causa de todo o problema discutido em Friedensau: “A nossa mensagem, de acordo com Apocalipse 14.6-12, é nacional ou internacional?”
A primeira pergunta foi feita para se saber até que ponto a Associação Geral dos adventistas endossava a posição tomada pela direção da obra na Alemanha e se eles estavam dispostos a corrigir os erros cometidos. Pelo que está registrado no Protocolo os líderes da igreja na Europa foram inocentados e os que levantaram a voz contra o afastamento da posição histórica da igreja foram condenados como cometido um erro.
Pelo que foi discutido sabemos que desde o início do conflito a direção da igreja está ciente do que estava acontecendo na Europa. Mesmo sabendo que eles estavam errados a Associação Geral apoiou a decisão da obra na Europa. E novembro de 1915 foi feita uma reunião nos Estados Unidos com os líderes da igreja para discutir a posição tomada na Europa a favor da participação da guerra. A decisão foi de liberdade de consciência em tempo de guerra.[10]
Além disso, a direção da igreja era responsável pelo pecado de seus membros em transgredir o quarto e o sétimo mandamento em tempos de guerra. Ellen White escreveu: “Se, porém, os pecados do povo são passados por alto por aqueles que se acham em posições de responsabilidade, o desagrado de Deus estará sobre eles, e Seu povo, como um corpo, será responsável por esses pecados.”[11]
Depois do que ocorreu com a igreja na Europa qual se tornou a posição oficial da organização ASD quanto a questão militar? Hoje a Igreja mantém a posição de liberdade de consciência para seus membros. Ted N. C. Wilson, abalizado pela autoridade de atual presidente mundial da IASD, expõe a posição atual da igreja sobre este ponto:
“Assim, enquanto a posição oficial da igreja é a de não combatente – por questão de consciência, objeção ao porte de armas – a decisão de prestar ou não o serviço militar e portar armas e deixando a critério da consciência de cada indivíduo.”[12]
Quanto a segunda pergunta, o ancião Döerschler queria colocar diante de todos a questão; quem agiu de forma bíblica quando o problema aconteceu: a direção da obra na Alemanha ou o Movimento Opositor? O ancião Döerschler lembrou que em 1915 W. Richter, um dos representantes dos excluídos, preparou um protesto solicitando uma entrevista com os líderes da igreja. Este pedido foi recusado. A pequena minoria foi excluída da igreja sem ter oportunidade de esclarecer a sua posição e depois do fato ocorrido não teve oportunidade de que o caso fosse revisto. Em nenhum momento a direção da obra na Europa seguiu os princípios bíblicos para resolver problemas na igreja.
A terceira pergunta tinha a ver com problemas doutrinários que a igreja já tinha identificado e que nenhuma ação tinha sido tomada. O pastor Louis Conradi, apesar do seu cargo de liderança e influência, não acreditava no dom profético de Ellen White e graças a sua atitude poucos livros dela foram publicados em línguas européias e até hoje muitos crentes adventistas na Europa não crêem na inspiração dos seus escritos. Além disso, nenhum esforço estava sendo feito para que os ministros europeus assumissem uma posição mais decidida em favor da Reforma de Saúde. Não havia nenhum trabalho em favor dos pastores para que eles dessem exemplo ao rebanho e deixassem o consumo de carne.
Por último, por que o ancião Döerscler perguntou se a obra adventista era nacional ou mundial? O próprio pastor Daniells estranhou o motivo da pergunta. Acontece que ele estava querendo demonstrar que a igreja adventista não poderia assumir nenhuma nacionalidade e seus membros e líderes não poderiam defender nenhuma bandeira nacional. Durante a guerra não foi isso o que aconteceu. A própria direção da Obra na Alemanha organizou campanhas de oração para que o exército alemão fosse vitorioso na guerra. Além disso, a igreja emprestou dinheiro para ajudar o governo alemão a ser vitorioso no seu esforço beligerante.[13] Isso aconteceu não só na Alemanha, mas em outros países da Europa. A igreja não pode se envolver em questões nacionalistas e tomar partido. A sua pátria não é deste mundo. Se ela fizer isso, Ellen White já havia advertido:
“Sua autoridade deve ser mantida distinta e clara perante o mundo; e não deverão ser reconhecidas leis algumas que entrem em conflito com as de Jeová. Se em desafio às divinas disposições fossem permitido ao mundo influenciar nossas decisões ou nossas ações, estaria derrotado o desígnio divino. Especioso como seja o pretexto, se a igreja vacilar neste ponto está contra ela escrita nos livros dos Céus a negação dos mais sagrados encargos e traição ao reino de Cristo.”[14]
Nasce um novo movimento
O encontro em Friedensau terminou sem que a questão fosse resolvida a contento para o Movimento Opositor. Os líderes da apostasia foram apoiados enquanto o grupo de fiéis foi condenado. Antes de pensar em formar uma nova organização, os líderes do Movimento de Reforma fizeram um último esforço para resolver a questão e tentaram o método bíblico, apresentar o caso diante a delegação de uma Assembléia da Associação Geral. Em 1922, três mil crentes estavam fora da Igreja adventista por causa da questão da guerra. Dois irmãos, Otto Welp e Heinrich Spanknöbel, foram escolhidos como porta-vozes deste grupo e foram enviados para os Estados Unidos para terem uma audiência com a Assembléia da Associação Geral que seria realizado em São Francisco, entre os dias 11 a 31 de maio de 1922. Os representantes do excluídos pediram por escrito, em três ocasiões distintas, audiência com os delegados. O primeiro apelo foi feito no dia da abertura dos trabalhos da Assembléia, 11 de maio. O irmão Otto Welp entregou uma carta para o pastor Arthur Daniells. Uma semana depois, no dia 18, foi entregue outra solicitação aos delegados com uma cópia da primeira carta. Por último, no dia 22 de maio foi entregue outro pedido pessoalmente ao pastor Daniells. Os dias se passavam e nenhuma resposta foi dada ao enviados. Ansiosos por ver o resultado da longa viagem, Spanknebal e Welp foram pessoalmente ao local das reuniões e tiveram uma conversar com o pastor Daniells para pedirem uma audiência perante a delegação. A resposta foi: “Não podemos permitir que questões como essas seja apresentada perante a delegação.”[15]
Apesar de não reconhecerem o erro cometido contra a minoria na Europa e o pecado de aceitar a participação dos crentes em atos de guerra, a Assembléia realizada em São Francisco votou a favor de um esforço da direção da obra em favor do reavivamento e da reforma. Contudo a direção da igreja esqueceu um princípio espiritual que pode impedir esta obra de reforma e reavivamento. Ellen White faz referencia a ela nas seguintes palavras: “É somente à medida que se restabeleça a lei de Deus à sua posição exata, que poderá haver avivamento da primitiva fé e piedade entre o Seu povo professo.”[16]
Como todos os meios de reconciliação foram tentados e não se obteve nenhum resultado, não sobrou nenhuma outra alternativa para o grupo senão tomar os passos necessários rumo a organização. No verão de 1922, depois da tentativa frustrada de São Francisco, foi realizada uma assembléia internacional de reformista em Bedra, oeste de Eisenach, Alemanha. Quatro Uniões que haviam sido organizadas concordaram em unir-se para formar a Conferência Geral e trabalhar em conjunto. Lições da Escola Sabatina, revistas para a Semana de Oração e outras publicações já eram editadas isoladamente, de acordo com as possibilidades de cada país. Essa assembléia confirmou a sede da obra que estava se iniciando como Würzburg, na Alemanha e irmão Otto Welp como presidente e o irmão Spanknöbel como secretário. Foi decidido que a primeira assembléia organizadora seria realizada em 1925.
A primeira assembléia representativa propriamente dita ocorreu em Gotha, Alemanha, de 14 a 20 de julho de 1925 com a presença de 18 delegados. Eles não criam na necessidade de um credo, mas, para garantir uniformidade no ensino e na prática, julgaram necessário adotar um conjunto de crenças doutrinários a que deram o nome de Princípios de Fé. Para o Movimento de Reforma este pequeno livreto é símbolo da unidade da fé do movimento que estava nascendo.
Outra questão muito discutida foi o nome oficial da nova igreja. Os representantes da obra na Alemanha queriam o nome Sociedade Missionária Internacional, que havia sido registrado em 1919. Para evitar que as pessoas confundissem a igreja com os vários grupos religiosos que adotavam o nome Internacional, a maioria dos delegados preferiu o nome atual pelo qual somos conhecidos: Igreja Adventista do Sétimo Dia – Movimento de Reforma. Para o primeiro mandato como presidente foi eleito o irmão Otto Welp como presidente e Willi Maas como secretário.
O Movimento de Reforma foi registrado em Isernhagen, Alemanha, em 11 de janeiro de 1929. Em 11 de maio de 1936 sua organização foi dissolvida pela Gestapo, a temida polícia secreta nazista. A partir daquela ação a igreja foi considerada proscrita e começou uma nova série de perseguições e martírios.
Pouco tempo depois da Segunda Guerra Mundial, em uma sessão de delegados realizado em Haia, Holanda, de 5 a 17 de setembro de 1948, foi decidido que a Conferência Geral se transferisse e fosse registrada nos Estados Unidos da América. O registro teve lugar no estado da Califórnia a 8 de abril de 1949.
Hoje o Movimento de Reforma tem membros em muitas partes da Europa, diferentes países da África, nos países da Oceania, em vários lugares da Ásia, e em quase todos os países da América. Estamos convictos que a mão de Deus tem guiado o Movimento de Reforma desde o seu começo.
[2] Protocolo, p. 61.
[3] Protocolo, p. 62 e 63.
[4] Protocolo, p. 64.
[5] Protocolo, p. 64.
[6] Protocolo, pág. 66.
[7] Protocolo, p. 67.
[8] Protocolo, p. 69.
[9] Protocolo, p. 93.
[10] Zions-Waechter [Órgão da Igreja Adventista na Alemanha], n° 5, 1916, citado em Objeção de consciência ou combatência, p.26.
[11] Testemunhos seletos, volume 1, p. 334.
[12] WILSON, Ted N. C. A batalha – devem os Adventista servir às forças Armadas? Revista Adventist World, agosto de 1914, p. 9.
[13] Dresdener Neueste Nachrichten, 12 de abril d e1918, citado em Origens e primeiras experiências, p. 27.
[14] Testemunhos para ministros, p. 16 e 17.
[15] BALBACH, Alfons. A história dos Adventistas do Sétimo dia – Movimento de Reforma, p. 89.
[16] O Grande Conflito, p. 478.