

(Review and Herald, 21/12/1905)
Por muitos anos Salomão andou em retidão. Foi-lhe dada sabedoria celestial para governar o povo de Deus com imparcialidade e misericórdia. Mas depois de uma manhã tão grandemente promissora, sua vida foi obscurecida pela apostasia. A história registra o fato melancólico de que aquele que fora chamado Jedidias, o amado do Senhor (2 Samuel 12:25) — aquele que tinha sido especialmente honrado por Deus com sinais de favor divino, tão notáveis que sua sabedoria e retidão lhe granjearam fama mundial, aquele que tantas vezes havia dado a outros sábios conselhos voltou-se da adoração do verdadeiro Deus para se inclinar diante dos ídolos dos pagãos.
A apostasia de Salomão foi tão gradual que pouco antes de ele percebê-la, havia vagueado longe de Deus. Pouco a pouco mas efetivamente, perdeu de vista a necessidade de implícita obediência aos claros preceitos das santas escrituras e se conformou cada vez mais aos costumes das nações ao redor. Cedendo às tentações inerentes a sua prosperidade e sua honrosa posição, esqueceu-se de Deus e das condições do êxito.
Centenas de anos antes de Salomão subir ao trono, o Senhor, prevendo os perigos que assediariam os escolhidos dirigentes de Israel, deu a Moisés instrução especial para a orientação deles. Foi dada orientação para que aquele que se assentasse no trono de Israel escrevesse para si "num livro uma cópia" dos estatutos de Jeová, que estão "diante dos sacerdotes levitas. Conservará a cópia consigo, e a lerá todos os dias de sua vida, para que aprende a temer ao Senhor seu Deus, e a guardar todas as palavras desta lei e estes estatutos, para os cumprir, e para que o seu coração não se eleve sobre os seus irmãos, e não se aparte do mandamento, nem para a direita nem para a esquerda, de sorte que prolongue os dias no seu reino, ele e seus filhos no meio de Israel." Deuteronômio 17:18-20.
Juntamente com essa instrução o Senhor especialmente advertiu aquele que fosse rei de Israel, que não adquirisse para si grande número de cavalos nem fizesse o povo voltar ao Egito, para adquirir mais cavalos, pois o Senhor lhes havia dito: "Nunca mais voltareis por este caminho. Tampouco adquirirá para si mulheres em grande número, para que o seu coração não se desvie. Não acumulará para si grande quantidade de prata ou de ouro." Deuteronômio 17:16, 17
Salomão estava familiarizado com estas claras advertências. E por um tempo ele atendeu a elas. Seu maior desejo era viver e governar de acordo com os estatutos dados no Sinai. Sua maneira de conduzir os negócios do reino, estavam em assinalado contraste com os costumes das nações idólatras do seu tempo, nações que não temiam a Deus, e cujos governantes pisavam a pés Sua santa Lei.
O início da apostasia de Salomão pode ser atribuído a sua violação dos claros Mandamentos do Senhor. Deus havia dado ao rei de Israel maravilhoso prestígio nas nações circunvizinhas. Houvesse Salomão continuado a confiar plenamente no Senhor, sua fama e a grandeza de sua nação teriam crescido constantemente. Mas ele começou, de início quase imperceptivelmente, a confiar cada vez menos na orientação e na bênção de Deus e a depositar confiança em sua própria força. Isso se vê em seu esforço para conseguir poder e dignidade aliando-se com as nações ao seu redor.
Procurando fortalecer suas relações com o poderoso reino situado ao sul de Israel, Salomão arriscou-se em terreno proibido. "Fez aliança com Faraó, rei do Egito, e tomou por mulher a filha de Faraó. Trouxe-a à cidade de Davi." 1 Reis 3:1. Do ponto de vista humano esse matrimônio, embora contrário aos ensinos da Lei de Deus, parecia resultar em bênção, pois a esposa pagã de Salomão se converteu e a ele se uniu no culto ao verdadeiro Deus. Além disso, Faraó prestou relevantes serviços a Israel tomando Gezer, matando os cananeus que moravam na cidade e dando-a "em dote a sua filha, mulher de Salomão". 1 Reis 9:16. Salomão reconstruiu e fortificou essa cidade, e assim muito fortaleceu o seu reino ao longo da costa do Mediterrâneo.
Mais uma vez foi derribada a barreira pelo casamento de Salomão com outras princesas pagãs. Ele se iludia com a idéia de que sua sabedoria e o poder de seu exemplo levariam suas mulheres da idolatria à adoração do verdadeiro Deus, e também de que as alianças assim formadas atrairiam as nações em derredor em íntimo contato com o povo de Deus. Vã esperança! Quão fatal foi o engano de Salomão ao considerar-se bastante forte para resistir à influência de companheiras pagãs. E quão fatal também o engano que levou Salomão a esperar que sua desatenção à Lei de Deus levasse outros a respeitar e obedecer aos sagrados preceitos desta!
Alianças e relações comerciais do rei com muitas nações pagãs trouxeram a Salomão renome, honra e riquezas deste mundo. Tornou-se-lhe possível trazer ouro de Ofir e prata de Társis em grande quantidade. Tomou cada vez mais em consideração o luxo, a satisfação excessiva dos próprios desejos e o favor do mundo como indícios de grandeza. Lindas e atraentes mulheres foram trazidas do Egito, da Fenícia, de Edom, de Moabe e de muitos outros lugares. Essas mulheres contavam-se às centenas. A religião delas era idólatra, e haviam sido ensinadas a praticar ritos cruéis e degradantes. Tolamente apaixonado pela beleza delas, o rei negligenciou seus deveres para com Deus e com seu reino. Suas mulheres exerceram forte influência sobre ele, e gradualmente prevaleceram no sentido de fazerem-no unir-se a elas em seu culto.
A conduta de Salomão trouxe seu inevitável castigo. Sua separação de Deus pelas relações com idólatras o arruinou. Ao abandonar sua lealdade a Deus, perdeu o domínio de si mesmo. Sua eficiência moral se foi como se vai a força de um paralítico. Suas finas sensibilidades se entorpeceram, e cauterizou-se sua consciência. A associação com idólatras corrompeu-lhe a fé. A instrução que Deus dera a fim de servir de barreira para sua segurança — não adquirir "para si mulheres em grande número para que o seu coração não se desvie. Não acumulará para si grande quantidade de prata ou de ouro"— foi desatendida, e Salomão se entregou ao culto de deuses falsos. Tornou-se instrumento de Satanás e escravo do impulso.
"No tempo da velhice de Salomão suas mulheres lhe perverteram o coração para seguir a outros deuses, e o seu coração não era completamente leal para com o Senhor seu Deus, como foi o de Davi, seu pai. Salomão seguiu a Astarote, deusa dos sidônios, e Milcom, abominação dos amonitas. Assim fez Salomão o que era mau aos olhos do Senhor, e não perseverou em seguir ao Senhor, como Davi, seu pai. Nesse tempo edificou Salomão um alto a Camos, abominação dos moabitas, sobre o monte que está diante de Jerusalém, e a Moloque, abominação dos filhos de Amom. Assim fez para com todas as suas mulheres estrangeiras, as quais queimavam incenso e sacrificavam a seus deuses." 1 Reis 11:4-8.
Na elevação meridional do Monte das Oliveiras — defronte ao Monte Moriá, onde se erguia o belo templo de Jeová — Salomão erigiu imponente bloco de edifícios para serem usadas como santuários idólatras. Para agradar às suas mulheres, colocou enormes ídolos, imagens disformes de madeira e pedra, entre os bosques de murta e oliveira. Ali, diante dos altares das divindades pagãs, eram praticados os mais degradantes ritos do paganismo.
Aquele que no início do seu reinado havia demonstrado tanta sabedoria e bondosa simpatia em restituir um indefeso bebê à sua infortunada mãe, degradou-se tanto a ponto de concordar com a construção de um ídolo ao qual eram oferecidas crianças como sacrifícios vivos. Aquele que em sua juventude fora dotado de prudência e entendimento, e que no vigor de sua varonilidade fora inspirado a escrever "Há um caminho que ao homem parece direito, mas o fim dele conduz à morte" (Provérbios 14:12), em seus últimos anos afastou-se para tão longe da pureza que chegou a aprovar os licenciosos e revoltantes ritos associados à adoração de Camos e Astarote. Aquele que na dedicação do templo havia dito ao seu povo "Seja o vosso coração completamente leal para com o Senhor nosso Deus" (1 Reis 8:61), ele próprio se tornou transgressor negando no coração e na vida suas próprias palavras. Confundiu liberdade com libertinagem. Procurou — mas a que preço! — unir a luz com as trevas, Cristo com Belial, a pureza com a impureza, o bem com o mal.
Depois de haver sido um dos maiores reis que já empunharam um cetro, cuja sabedoria o tornou renomado em todo o mundo, Salomão se tornou um devasso — instrumento e escravo de outros. Seu caráter, outrora nobre e viril, tornou-se débil e efeminado. Sua fé no Deus vivo foi abalada e suplantada por dúvidas ateísticas. A incredulidade maculou-lhe a felicidade, enfraqueceu-lhe os princípios e degradou-lhe a vida. Sombrios e angustiantes pensamentos perturbavam-no de noite e de dia. A justiça e magnanimidade dos primeiros dias de seu reinado, transformaram-se em despotismo e tirania. Pobre, frágil natureza humana! Pouco pode Deus fazer por homens que perdem seu senso de dependência dEle.