
Seu João estava sentado à beira da calçada, próximo à padaria de um dos bairros mais nobres de Vitória. Observei de longe aquele homem cujo olhar distante passava despercebido por quem tem uma cama quentinha para deitar todas as noites. Ele parecia ser só mais um morador de rua com seus trapos e uma bíblia ao lado da velha manta que ganhou.
Mas, algo me chamou a atenção. Senti vontade de conhecer aquele homem. Me sentei ao lado dele na calçada e perguntei porque ele morava na rua. Desconfiado, ele respondeu: “Estou bem, mas estou incomodando a senhora aqui?” Sua resposta foi apenas o reflexo do que ele tem ouvido e vivido nas ruas. Respondi que meu incômodo era pensar como alguém dorme em paz sem um teto seguro. Sem hesitar, ele disse: “ não há segurança em lugar algum, mas confio em Deus.”
João da Rua diz que não tem uma grande história para contar, que não usa drogas, nem bebidas e tem até um irmão bem empregado. Mas, para ele, é mais fácil viver nas ruas porque gosta de ficar sozinho; ele diz ser um cara solitário e agradecido. Aos poucos, lembra da mãe que faleceu com problemas mentais e de sua terra natal –Bahia. Lembra que já trabalhou embarcado e que ter uma casa é muito bom. No entanto, hoje ele é catador de recicláveis, toma banho e lava a roupa no quiosque da praia, dorme nas calçadas e recebe lanche da padaria generosa ao lado. Seu lar é a rua.
Pode parecer loucura, mas ele em sã consciência diz que agradece a Deus e às pessoas boas por tudo o que tem e recebe. Mas o que ele tem? Uma bíblia, uma manta velha e um pedaço da calçada para dormir, exposto aos perigos? Não reclama se as pessoas o destratam e o olham torto, não pede lanche, mas aceita de bom grado quando a moça da padaria oferece um pão com leite. Diz ainda que não precisa de outra coberta. Está bem daquele jeito.
Ele me pergunta se já passei necessidade e fala: “Cada um tem uma história. Recebo bençãos e provas. Agradeço por tudo”. João diz que não desistiu e com paciência vai ter a própria casa, mas não demonstra raiva, insatisfação e comodismo com a vida. Apenas diz que está tudo bem, mesmo sem casa, comida e um emprego que garanta essas coisas.
Não sei ao certo se seu João não sofre mesmo ou se ele é considerado uma pessoa normal segundos os padrões psiquiátricos. Ele parece bem, mas com muitas histórias passadas, as quais não quis contar para uma desconhecida. Não conheço seu passado, não posso julgá-lo e nem forçá-lo a sair das ruas. Mas, fiquei surpresa. Ele não reclama da injustiça da vida, nem coloca a culpa nas pessoas por estar ali. Agradece pela noite, mesmo não tendo onde dormir e agradece pela comida que ganha ou consegue comprar às vezes, mesmo passando necessidade. Agradece pelas pessoas que o ajudam, mas não reclama das que não o enxergam.
Morar na rua não é bom e seu João pode não ser a referência de sucesso profissional, porém, ele me ensina que nem sempre ter uma cama quentinha e muito dinheiro é garantia de paz e segurança. Ensina também que estar à margem da sociedade não é motivo para desrespeitar quem o destrata ou o ignora como se ele fosse descartável. Para ele, estar vivo já é motivo de agradecer, e podemos estar seguros, mesmo expostos aos mais tenebrosos medos. Também podemos ter paz em meio às guerras da cidade.
Seu João ensina que nas ruas ou nos lares, podemos encarar a vida como uma grande tragédia, uma medíocre novela ou como ela é: real, cheia de erros, acertos, alegrias, decepções, tendo gratidão simplesmente por vivermos, independente das circunstâncias que nos rodeiam.
Por Rayssa Santos