

O ponto de partida para a apostasia de Salomão pode remontar a muitos desvios aparentemente insignificantes dos retos princípios. As ligações com mulheres idólatras não foram de maneira nenhuma a causa única de sua queda. Entre as causas principais que levaram Salomão ao descomedimento e à opressão tirânica, estava a conduta que adotou no desenvolver e no nutrir um espírito de cobiça.
Nos dias do antigo Israel, quando Moisés, ao pé do Sinai, comunicou ao povo a ordem divina: "E Me farão um santuário, para que Eu habite no meio deles" (Êxodo 25:8), a resposta dos israelitas foi acompanhada de dádivas correspondentes. "E veio todo homem cujo coração o moveu, e todo aquele cujo espírito o estimulou" (Êxodo 35:21), trazendo ofertas. Para a construção do santuário, precisava-se de grandes e dispendiosos preparativos. Era necessária grande quantidade dos mais preciosos e custosos materiais; todavia o Senhor só aceitava as ofertas voluntárias. "De todo homem cujo coração se mover voluntariamente, dele tomareis a Minha oferta" (Êxodo 25:2), foi a ordem divina transmitida por Moisés à congregação.
Idêntico apelo ao sacrifício próprio foi feito quando Davi transferiu a Salomão a responsabilidade de erigir o templo. Da multidão reunida que trouxera suas dádivas liberais, pediu Davi: "Quem, pois, está disposto a consagrar seu serviço hoje ao Senhor?" 1 Crônicas 29:5 (KJV). Este apelo devia ter sido sempre conservado em mente por aqueles que tinham o encargo de construir o templo.
Homens escolhidos foram especialmente dotados por Deus de habilidade e sabedoria para a construção do tabernáculo do deserto. "Então disse Moisés aos filhos de Israel: Vede, o Senhor chamou por nome a Bezalel . . . da tribo de Judá, e o Espirito de Deus o encheu de habilidade, inteligência e conhecimento, em todo o artificio. . . . Também lhe dispôs o coração para ensinar. . . a ele e a Aoliabe. . . da tribo de Dã. Encheu-os de habilidade, para fazerem toda obra de mestre, até a mais engenhosa, e a do bordador. . . e a do tecelão; toda sorte de obra, e a elaborar desenhos."
Êxodo 35:30-35. "Assim trabalharam Bezalel e. . . todo homem hábil a quem o Senhor dera habilidade e inteligência." Êxodo 36:1. Instrumentalidades celestes cooperaram com os obreiros a quem o próprio Deus escolhera.
Os descendentes desses homens herdaram em grande medida a habilidade conferida a seus antepassados. Nas tribos de Judá e de Dã havia homens que eram considerados especialmente "hábeis" nas mais belas artes. Por algum tempo esses homens conservaram-se humildes e altruístas; pouco a pouco, porém, quase imperceptivelmente, perderam sua firmeza em Deus e Sua verdade. Começaram a reivindicar mais altas remunerações por causa de sua habilidade superior.
Em alguns casos essas exigências foram satisfeitas, mas na maioria das vezes aqueles que pediam pagas maiores procuraram emprego nas nações circunvizinhas. Em lugar do nobre espírito de sacrifício próprio que enchera o coração de seus ilustres ancestrais, nutriram cada vez mais o espírito de cobiça e ambição. Usaram no serviço de reis pagãos a habilidade que por Deus lhes fora dada, e desonraram a seu Criador.
Foi entre esses apóstatas que Salomão procurou um mestre-de-obras para superintender a construção do templo no Monte Moriá. Minuciosas especificações, por escrito, referentes a cada parte da estrutura sagrada haviam sido confiadas ao rei, que devia ter esperado com fé que Deus providenciasse auxiliares consagrados, aos quais seria conferida habilidade especial para fazer com exatidão a obra requerida. Salomão, porém, perdeu de vista essa oportunidade de exercer fé em Deus. Mandou pedir ao rei de Tiro "um homem hábil para trabalhar em ouro, prata, bronze, ferro, púrpura, carmesim e azul, e que" soubesse "lavrar ao buril, juntamente com os peritos que" estavam com ele "em Judá e em Jerusalém." 2 Crônicas 2:7.
O rei fenício respondeu mandando Hirão-Abi, "um homem hábil, de entendimento, . . . filho de uma mulher das filhas de Dã, e cujo pai foi homem de Tiro." 2 Crônicas 2:13 e 14. Este mestre entre os artífices, Hirão-Abi, era descendente, pelo lado de sua mãe, de Aoliabe, a quem, centenas de anos antes, Deus dotara de sabedoria especial para a construção do tabernáculo. Assim, à frente do grupo de artífices de Salomão, foi colocado um homem não santificado, que exigiu vultosas remunerações por sua habilidade fora do comum.
Os esforços de Hirão-Abi não foram motivados pelo desejo de prestar a Deus seus melhores serviços. Ele servia ao deus deste mundo — Mamom. Todas as fibras de seu ser estavam entretecidas com princípios egoístas, os quais se haviam revelado em sua ambição por salários mais elevados. E gradualmente esses princípios errôneos chegaram a ser nutridos por seus companheiros. Ao trabalharem com ele, dia após dia, cederam à tentação de comparar o salário de seu chefe com os deles próprios, começaram a perder de vista o caráter santo da obra que realizavam e passaram a falar detidamente na diferença entre o ganho deles e o de Hirão-Abi. Pouco a pouco foram perdendo seu espírito de abnegação e em seu lugar fomentando o espírito de cobiça.
O resultado foi uma reivindicação por salários mais elevados, o que lhes foi concedido.
As maléficas influências postas em operação pelo emprego desse homem de espírito ganancioso permearam todos os ramos do serviço do Senhor, estendendo-se pelo reino de Salomão. Os altos salários reivindicados e obtidos ofereceram ocasião para a condescendência com o luxo e a extravagância. Nos efeitos de vasto alcance dessas influências podem-se reconstituir os vestígios de uma das principais causas da terrível apostasia daquele que uma vez fora o mais sábio dos mortais.
O rei não estava sozinho em sua apostasia. Extravagância e corrupção manifestavam-se por toda parte. Os pobres eram oprimidos pelos ricos. O espírito de abnegação no serviço de Deus foi por assim dizer perdido.
Eis aqui importantíssima lição para o povo de Deus hoje — lição que muitos são tardios em aprender. O espírito de cobiça, de buscar a posição mais elevada e os mais altos salários é freqüente no mundo. Bem raramente se encontra o antigo espírito de abnegação e sacrifício. Mas este é o único espírito que pode inspirar o verdadeiro seguidor de Jesus. Nosso divino Mestre deu-nos o exemplo da maneira pela qual devemos trabalhar. Àqueles a quem ordenou: "Vinde após Mim, e Eu vos farei pescadores de homens", não ofereceu nenhuma quantia estipulada como recompensa por seus préstimos. Deviam ser participantes de Sua abnegação e sacrifício.
Os que, pretendendo ser seguidores do Obreiro-Mestre, se empregam em Seu serviço como cooperadores de Deus devem imprimir a sua obra a exatidão e a habilidade, o tato e a sabedoria que o Deus de perfeição exigiu na edificação do santuário terrestre. Agora, como naquele tempo e como nos dias do ministério terrestre de Cristo, a consagração a Deus e o espírito de sacrifício devem ser considerados os primeiros requisitos de serviço aceitável. É propósito de Deus que nem um traço de egoísmo seja entremeado em Sua obra.
Deve-se exercer grande cuidado no tocante ao espírito que permeia as instituições do Senhor. Essas instituições foram estabelecidas com sacrifício próprio e edificadas com as abnegadas dádivas do povo de Deus e o desinteressado trabalho de Seus servos. Tudo quanto se relaciona com o serviço institucional deve levar a assinatura do Céu. Cumpre incentivar e cultivar a intuição da santidade das instituições do Senhor. Os obreiros devem humilhar o coração perante o Senhor, reconhecendo - Lhe a soberania. Todos devem viver de acordo com os princípios de abnegação. À medida que o obreiro fiel e abnegado, com sua lâmpada espiritual espevitada e acesa, esforça-se abnegadamente para promover os interesses da instituição em que trabalha, obterá preciosa experiência sendo habilitado a dizer: "Na verdade o Senhor está nesse lugar". Sentir-se-á altamente privilegiado em lhe ser permitido dar à instituição do Senhor, sua capacidade, serviço e incansável vigilância.
Nos primeiros dias da mensagem do terceiro anjo, os que estabeleceram nossas instituições e os que nelas trabalharam foram impelidos por nobres e abnegados motivos. Por seus árduos labores não receberam mais que uma migalha que mal dava para um parco sustento. Seus corações, porém, foram batizados com o ministério do amor. A recompensa da liberalidade de alma inteira era manifesta em sua íntima comunhão com o Espírito do Obreiro-Mestre. Praticavam a mais estrita economia a fim de que tantos outros obreiros quanto possível pudessem arvorar o estandarte da verdade em novos lugares.
Mas com o tempo sobreveio uma mudança. O espírito de sacrifício já não era tão manifesto. Em algumas de nossas instituições os vencimentos de alguns obreiros foram aumentados além do razoável. Os que recebiam esses salários alegavam merecer maior quantia que outros, em virtude de seus talentos superiores. Mas quem lhes deu esses talentos, essa capacidade? Com o aumento dos salários sobreveio constante aumento de cobiça, que é idolatria, e constante declínio de espiritualidade. Insinuaram-se males grosseiros, e Deus foi desonrado. A mente de muitos que testemunharam essa avidez de ganhos cada vez maiores foi levedada por dúvida e descrença.
Estranhos princípios, qual mau fermento, penetraram em quase toda a corporação de crentes. Muitos deixaram de abnegar-se e retiveram seus dízimos e ofertas.
Deus em Sua providência apelou para uma reforma em Sua sagrada obra, a qual devia começar no coração e operar no exterior. Alguns que continuaram cegamente a conferir alta estima a seus serviços, foram afastados. Outros, recebendo a mensagem que lhes foi dada, voltaram-se para Deus com inteiro propósito de coração e aprenderam a detestar seu próprio espírito cobiçoso.
Empenharam todo o esforço possível para dar exemplo correto ao povo reduzindo voluntariamente os próprios ordenados. Perceberam que coisa alguma os salvaria de ser assolados por uma tentação dominante a não ser completa transformação da mente e do coração.
A obra de Deus em toda a sua vasta extensão é uma só. E os mesmos princípios devem governar, o mesmo espírito ser revelado em todos os seus ramos. Precisa apresentar o selo da obra missionária.
Cada departamento da Causa está relacionado com todas as partes do campo evangélico e o espírito que controla um departamento será percebido em todo o campo. Se uma parte dos obreiros receber grandes salários, outros há em diferentes ramos da obra que exigirão salários mais altos, e o espírito de sacrifício próprio gradualmente se perderá de vista. Outras instituições e associações adquirirão o mesmo espírito e o favor do Senhor se removerá deles, pois Ele não pode sancionar o egoísmo. Dessa forma nossa obra progressiva se extinguiria. Somente por sacrifício constante pode ela prosseguir.
Deus provará a fé de cada alma. Cristo comprou-nos com sacrifício infinito. Embora fosse rico, por amor de nós se tornou pobre para que, por sua pobreza, pudéssemos entrar na posse de riquezas eternas. Tudo o que possuímos de capacidade e intelecto nos foi emprestado pelo Senhor a fim de ser usado para Ele. É nosso privilégio ser participantes, com Cristo, de Seu sacrifício.