O ponto de partida para a elaboração deste artigo foi a matéria veiculada no site notícias.gospelmais.com.br 02/08/2013 de título “Casal de homossexuais vai à Justiça para obrigar igreja a realizar cerimônia de casamento gay”.
Minha intensão repousa na ideia de firmar uma lógica razoável sobre pensamentos que concluíram vertentes de análise sobre a relação Homem, Sociedade e Direito.
Destaca-se que não se pretende discutir as teorias, tampouco criticar os modelos propostos. Em verdade, a intenção é unicamente de encaminhar ideias – firmando um consistente caminho – e apresentar uma base sólida e ideológica que permita a compreensão da íntima relação entre o Homem, a Sociedade, a Comunidade e o Direito, sob a óptica da jusfilosofia para trazer a reflexão dos principais aspectos do jusnaturalismo.
Neste caminho, cumpre afirmar que muito polêmica e discutida é a questão sobre o contexto do surgimento da sociedade e, por conseguinte, todos os institutos afins; mesmo por que, ainda se questiona se o homem viveu um período de sua existência alheio as normas jurídicas ou, como se entende majoritariamente, que não se pode considerar a existência da sociedade sem a presença do Direito, que é muito bem sintetizada pelo brocardo romano: “ubi societas, ibi jus” (onde está a sociedade está o direito; ou, não há sociedade sem direito).
Assumindo a perspectiva sociológica, considero que uma interpretação da discussão a respeito dos direitos humanos, discriminação e preconceito passam necessariamente pela definição do conceito e papel da comunidade no convívio social. Tenciono, pois, discutir as noções-chave envolvidas na proposta da defesa dos direitos humanos, no afinco com que todos lutam por seus direitos, termos marcados por interpretações por vezes egoístas e desumanas. No âmbito desta reflexão, a meu ver existem questões que, carecem de ser formuladas ou revistas e quem sabe até ampliadas, de modo a expandir nossa compreensão a respeito das diferenças e do respeito a elas.
Nesse sentido, se colocam as seguintes indagações: O que se pode realmente entender por respeito ao próximo? O que é lutar pela liberdade? Qual é o lugar dos direitos humanos nesta proposta de análise? Como o cristão deve operacionalizar essas noções? A partir das respostas a essas questões, procuro articulá-las em torno de um direcionamento legal do ponto de vista da Lei e religiosos do ponto de vista bíblico.
Primeiramente, a liberdade de pensamento prevê o direito de exprimir, através de qualquer meio, o intelecto humano, isto é, trata-se da possibilidade/direito de exteriorização ou não do pensamento, sem qualquer restrição, caracterizando a “liberdade de o indivíduo adotar a atitude intelectual de sua escolha: quer um pensamento íntimo, quer seja a tomada de posição pública; liberdade de dizer o que se crê verdadeiro”. Essa preocupação com a exteriorização do pensamento foi tratada na Declaração de Direitos do Homem de 1789, segundo a qual “ninguém pode ser perturbado por suas opiniões, mesmo religiosas, desde que a sua manifestação não inquiete a ordem pública estabelecida pela lei”.
A liberdade humana é dádiva divina estendido a todo ser humano. No Éden Deus colocou muitas árvores frutíferas à disposição do homem, representando tudo o que o Senhor nos dá para o nosso deleite e disse: “De toda árvore do jardim comerás livremente”. A liberdade humana não surge a partir da Declaração de (1789). Atualmente, muito se tem debatido a respeito do tema liberdade, e, ás vezes, há grande equívoco na própria definição deste conceito.
Segundo a especialista Maria Lúcia Karam afirma que:
“[...] livre, o indivíduo, naturalmente, deve poder pensar e acreditar naquilo que quiser. É esse o campo da liberdade de pensamento, de consciência e de crença. É um campo que diz respeito somente ao indivíduo, não podendo sofrer qualquer interferência do Estado. É um campo essencialmente ligado à própria ideia existente de democracia, pois sem um pensamento livre não existe a possibilidade de escolha que está na base dessa ideia.”
Como seria um mundo com tanta gente livre e sem limites e organização? No mundo idealizado por Deus, em seu primeiro intento, a liberdade não foi uma dádiva única. O homem recebeu a liberdade e logo em seguida – o limite – “...mas da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás”.
Não existe, nos planos de Deus, liberdade absoluta sem limites. O ser humano precisa conhecer os seus limites. A árvore proibida, no éden, representou aquilo que pertence a Deus, aqui nesta reflexão o que pertence ao próximo (todo aquele que existe na sociedade além do “eu “).
Em qualquer época da história da humanidade, a sociedade é, e sempre foi organizada em grupos. Desde os tempos bíblicos, vemos a sociedade como a união de famílias, tribos, povos e nações, distintos por suas crenças, características ou decisões que os identificavam a partir de suas práticas.
A noção de sociedade está relacionada com a ideia de “humanidade civilizada e progressista” própria dos filósofos do iluminismo (Diderot, Condorcet, Montesquieu, Kant, Herder, Goethe, Schiller, Schaftesburg, etc.). A sociedade, na definição clássica do sociólogo Ferdinand Tönnies (1855-1939), é um círculo de indivíduos que, apesar de viverem pacificamente uns ao lado dos outros, não estão “essencialmente unidos, mas essencialmente separados” (1944). Esta definição esclarece o fato de termos na sociedade desentendimentos de várias ordens entre famílias, tribos, povos e nações.
A Sociedade é uma grande união de grupos sociais marcada pelas relações de troca, porém de forma não-pessoal, racional e com contatos sociais secundários e impessoais. Na sociedade cada família, tribos, povos são grupos sociais que ocupam uma área relativamente delimitada, cujos membros estão ligados entre si por laços de sangue ou afinidades e mantêm a mesma herança cultural e histórica. Cada grupo social forma então uma comunidade.
Em todos os locus da sociedade temos pessoas organizadas em grupos. No esporte, na música, na crença, na moda, na fé -em tudo a sociedade é organizada em comunidades. Como na sociedade não há o estabelecimento de relações pessoais e na maioria das vezes, não há tamanha preocupação com o outro indivíduo, é fundamental haver um aparato de leis e normas para regular a conduta dos indivíduos que vivem em grupos (comunidades) no interior dela.
A ideia de comunidade supõe a existência de bens ou valores que são comuns aos seus membros e dado que ante os valores existem apenas duas atitudes: preferi-los ou preteri-los – não há lugar para a conduta neutra como a proposta liberal de Estado neutro –, a vinculação dos membros na comunidade é existencial. É a forma de viver junto, de modo íntimo, privado e exclusivo. Nas comunidades, as normas de convivência e de conduta de seus membros estão interligadas à tradição, religião, consenso e respeito mútuo. Não é o simples fato de alguém querer pertencer a um grupo, mas pelo engajamento dele naquele grupo social.
Não é a comunidade que seleciona, aceita ou exclui a pessoa. A pessoa é quem se identifica com as práticas de um grupo adere as suas convenções sociais e assim escolhe a sua comunidade. Neste ponto retomamos à reflexão sobre a liberdade.
“A liberdade religiosa consiste na livre escolha pelo indivíduo da sua religião. No entanto, ela não se esgota nessa fé ou crença. Demanda uma prática religiosa ou culto como um dos seus elementos fundamentais, do que resulta também inclusa, na liberdade religiosa, a possibilidade de organização desses mesmos cultos, o que dá lugar às igrejas.”
A Igreja é uma comunidade de Práticas convencionadas e aceitas pelo indivíduo na profissão de fé em princípios preestabelecidos. Quando o indivíduo escolhe sua religião ou Igreja, ele a escolhe por se identificar com suas regras, costumes, tradições e por aceitá-los antes de fazer parte dela. O mesmo se dá ao escolher time, estilo musical, a orientação sexual ou outra comunidade qualquer.
Com base nos parâmetros da liberdade, ninguém pode ter seus direitos violados ou suas escolhas desrespeitadas. Nossa Constituição de 1988, em seu Art. 5º diz que todos (as) os cidadãos (ãs) são iguais, sem distinção de qualquer natureza. Logo, independente da a raça, o sexo, a idade, a opção religiosa, todos/as devem ser respeitados e ter seus direitos garantidos.
É muita pretensão querer "a força" fazer parte de uma comunidade com práticas diferentes de minhas condutas. Vivemos numa sociedade individualista. E que prega a liberdade do indivíduo como bem maior. Acontece que a liberdade, quando mal compreendida, nem sempre produz bons resultados. Aquela popular frase que diz que “o meu direito termina quando começa o do outro” é muito sábia, mesmo que tão simples. Nunca poderemos obrigar ninguém a seguir pelo caminho que acreditamos ser o correto. É questão de livre arbítrio. E todos devem ter consciência daquilo que fazem, e arcar com suas responsabilidades.
No que tange a questões estritamente pessoais, como religião, profissão, linha política, preferências esportivas ou sexuais, nada se pode opinar, sequer discutir. Em cada cabeça há uma sentença, e decisões nesse sentido são “imexíveis”. É certo que todos devem ser respeitados.
A comunidade jamais tem que mudar porque eu cheguei e exijo que em respeito as minhas vontades o grupo inteiro se modifique. Será que é desrespeitando que terei meus direitos respeitados?
Pense...se uma pessoa religiosa resolver fazer parte da comunidade dos traficantes. Quais são as chances, se ela lá dentro quiser orar, jejuar, glorificar e cantar?
E se um rockeiro quiser entrar "a força" entrar para a comunidade dos franciscanos, e se as prostitutas com suas práticas ganharem o direito do ingresso na comunidade das freiras? Como seria se um flamenguista uniformizado exigisse o direito do ingresso na torcida dos vascainos?
Estamos vivendo um momento perigoso onde se tem uma visão equivocada da liberdade, esta deve ser bem entendida para não ser deturpada. Dentre os direitos fundamentais de primeira dimensão, a liberdade de pensamento autoriza o indivíduo a faculdade de externar ou não sua consciência, possibilitando expressar valores e convicções pessoais, desde que essa externação não afronte direitos alheios. A liberdade individual não pode tolher a liberdade coletiva. Bem como a minha liberdade de pensamento não pode tirar a liberdade do outro.
Por: Jucilene Oliveira Sousa Basílio (UFES-2013)
REFERÊNCIAS:
Site www.noticias.gospelmais.com.br 02/08/2013 - “Casal de homossexuais vai à Justiça para obrigar igreja a realizar cerimônia de casamento gay”
ALMEIDA, J. F. A Bíblia Sagrada. 4° edição – Imprensa Bíblica Brasileira. Rio de Janeiro, 1988
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