Em 1896, E. W. Prescott esteve na Austrália e pregou uma série de conferências sobre o Espírito Santo. Essas palestras provocaram uma discussão intensa dentro da igreja sobre a obra e a pessoa do Espírito Santo. Na mesma época outro evangelista, H. Camden Lacey, realizou outra série de conferências sobre o mesmo tema. Ellen G. White reconheceu como correta essa compreensão. Nesse ano, após assistir essas palestras, ela escreveu pela primeira vez que o Espírito Santo é “a terceira pessoa da Divindade.” 83MM 45 [Carta 8, 1896].[i]
A partir desse ano, Ellen White citaria regularmente os três membros da divindade, usando termos como “o trio celestial”, “os eternos dignitários celestes” ou expressões semelhantes.
“Os eternos dignitários celestes – Deus, Cristo e o Espírito Santo – munindo-os [aos discípulos] de energia sobre-humana, [...] avançariam com eles para a obra e convenceriam o mundo do pecado.” Ev 616 [1901].
“Quando fizestes tais votos, vos comprometestes em nome do Pai, do Filho, e do Espírito Santo, a viver para Deus, e não tendes o direito de quebrar esse compromisso. O auxílio desses três grandes poderes está à vossa disposição.” 86MM 170. [1905]
A seguir encontramos alguns exemplos da profetisa fazendo referências a personalidade e divindade do Espírito Santo. A medida que as citações vão se acumulando pode-se perceber cada vez mais claro o que ela pensava sobre Ele:
1897: “O príncipe da potestade do mal só pode ser mantido em sujeição pelo poder de Deus na terceira pessoa da Trindade, o Espírito Santo.” Ev 617.
1898: “Cristo enviou Seu representante, a terceira pessoa da Trindade, o Espírito Santo.” 02MM 300.
1899: “Cristo determinou que ao subir da Terra concederia um dom aos que haviam nEle crido, e aos que haveriam de crer. Que dom bastante valioso poderia Ele conceder para assinalar e comemorar Sua ascensão ao trono mediador? Precisaria ser digno de sua grandeza e realeza. Determinou-Se a dar o Seu representante, a terceira pessoa da Divindade. Não poderia haver dádiva mais excelente. Ele concederia num único, todos os dons e, portanto, aquele poder convertedor, iluminador e sacrifical, que é o Espírito Santo, seria a Sua dádiva.” 89MM 36.
1899: “Precisamos reconhecer que o Espírito Santo, que é tanto uma pessoa como o próprio Deus, está andando por esses terrenos.” Ev 616.
1906: “O Espírito Santo é uma pessoa, pois dá testemunho com o nosso espírito de que somos filhos de Deus. [...] O Espírito Santo tem personalidade, do contrário não poderia testificar ao nosso espírito e com nosso espírito que somos filhos de Deus. Deve ser também uma pessoa divina, do contrário não poderia perscrutar os segredos que jazem ocultos na mente de Deus. [cita 1 Co 2.11].” Idem 616, 617.
Sobre a questão da personalidade do Espírito Santo os escritos de Ellen White vão exercer influência sobre diversos líderes da igreja. R. A. Underwood passou a crer na personalidade do Espírito Santo por influência dos escritos dela e narrou sua experiência em um artigo intitulado “O Espírito Santo – uma pessoa”. Nesse artigo ele diz que “o plano de Satanás é destruir toda fé na personalidade da Divindade: o Pai, Filho e Espírito Santo”. “O primeiro passo” para isso é “destruir nossa fé na personalidade desta pessoa da Divindade, o Espírito Santo”, que é a “terceira pessoa da Divindade.”
A. G. Daniells, presidente da Associação Geral, em um artigo citou textos de Ellen White para argumentar que o Espírito Santo é a “terceira pessoa da divindade”.[ii]
Conclusão
O movimento adventista nasceu da profunda pesquisa das Escrituras. Os seus fundadores entendiam que deviam continuar a obra da Reforma do século XVI em descobrir a verdade bíblica e rejeitar os entulhos da tradição. Ao contrário do que os movimentos dissidentes apregoam, eles não acreditavam que a Verdade Presente era estática e que Deus não tinha mais luz para o Seu povo. Essa busca pode corrigir velhos ensinos e trazer novos conhecimentos. Essa atitude explica a razão da mudança que aconteceu no adventismo. Se no começo esse movimento rejeitava a doutrina da Trindade, graças ao ministério profético de Ellen White e o estudo das Escrituras, hoje ele a aceita. Essa mudança de paradigma não foi apostasia da verdade, como querem alguns.
Ellen White não condenou a posição antitrinitariana dos seus contemporâneos por que não estava envolvido nenhum “marco antigo” nesse debate. Essa atitude de tolerância caracterizou o seu ministério profético. Ela não tomou posição sobre a questão do “contínuo” de Daniel 8, ou sobre a lei em Gálatas, durante a Assembléia de Minneápolis. Ela também nunca condenou o ensino de que Cristo tivesse uma natureza com tendências pecaminosas, como pensava Waggonner e Jones.
Quando o ensino herético ameaçava alguma doutrina peculiar do adventismo então ela levantava sua voz e denunciava esse erro. Como vimos, isso aconteceu na crise panteísta provocada pelo dr. Kellogg. Ao ensinar que Deus está na natureza o panteísmo nega a existência de um santuário celestial. Esse santuário seria o corpo humano. Negar a doutrina da obra intercessória de Cristo é minar os fundamentos do adventismo.
Ellen White orientou, aconselhou e corrigiu, mas nunca quis substituir o estudo sério das Escrituras. Se a cada desentendimento doutrinário ela desse uma resposta pela revelação estaria enfraquecendo a autoridade da Palavra de Deus. Ela era a luz menor, que conduzia a luz maior. Sua obra era levar as pessoas a estudar a Bíblia e não ser um oráculo da vontade divina.
Pela revisão histórica que fizemos percebemos que Ellen White partiu de uma compreensão imprecisa e vaga de Deus para uma mais clara e definida. Parece que ela não quis tomar uma posição definida enquanto não estudasse o assunto com mais atenção. Assim, podemos perceber que com o tempo, a profetisa foi sendo mais definida quanto a eternidade de Cristo e a personalidade do Espírito Santo. Jerry Moon comenta:
“Seus escritos sobre a Divindade mostram uma clara progressão não primariamente de anti para pró-trinitarianismo, mas de relativa ambigüidade para maior especificidade. Algumas de suas primeiras declarações são suscetíveis de várias interpretações, mas suas declarações posteriores, de 1898 a 1906, são explícitas a ponto de serem dogmáticas. Sua mudança de opinião parece claramente ter sido um assunto de crescimento e progressão, em vez de reversão, porque ao contrário de seu esposo e outros de seus associados, ela jamais atacou diretamente o ponto de vista trinitário que ela mais tarde apoiaria explicitamente.”[iii]
A medida que Ellen White foi se posicionando a favor da eternidade de Cristo e da personalidade do Espírito Santo a igreja estudou esses temas à luz das Escrituras Sagradas. Foi por causa desse estudo que o movimento adventista mudou de posição. Ela apenas apontou o caminho, mas não fez a jornada, e assim deve ser.
[i] CARDOSO, Matheus. Os pioneiros adventistas e a Trindade, Revista Adventista, agosto de 2011, p. 10.
[ii] Australian Union Conference Record [AUCR], 1° de dezembro de 1899, p. 1, citado por Matheus A. Cardoso em A doutrina da Trindade entre os Adventistas do Sétimo Dia, p.XXX.
[iii] MOON, Jerry. Ellen G. White e a compreensão da trindade. Revista Parousia, 1º semestre de 2006, p. 13.