História do Movimento de Reforma - “Temei a Deus e dai-lhe glória...”
- Em: História
- Por: Alexandre de Araújo
Deus dirigiu o movimento adventista desde o início. Ele usou um fazendeiro e ex-militar de meia idade para iniciar o grande movimento adventista do século XIX. Guilherme Miller cultivava o amor aos livros desde jovem. Mas seus estudos e sua experiência no campo de batalha como militar, o levaram ao caminho do deísmo, uma forma de crença muito popular em seus dias. Segundo esta filosofia, Deus criou o mundo e depois o abandonou a sua própria sorte. Tudo o que acontece no mundo, quer seja bom quer seja mau, nada tinha a ver com Deus. Ele tinha coisas mais importantes para fazer do que se preocupar com a vida humana. Para uma mente inquiridora o deísmo oferecia resposta para o sofrimento que Miller presenciara no campo de batalha.
Contudo, Deus tinha outros propósitos para Miller. Sua mãe era membro da igreja batista e ele costumava acompanhá-la quando ela ia aos cultos. Quando o pastor não visitava a congregação os diáconos se encarregavam de ler sermões de outros pregadores famosos. Como estes servos de Deus eram pessoas simples, sem muito estudo, sua leitura titubeante ofendia os ouvidos cultos de Miller. Ele se prontificou a ler os sermões na hora do culto, quando o pastor não estivesse para pregar. Um dia foi escolhido um sermão de John Wesley. Miller não conseguiu terminar a leitura. O Espírito de Deus tocou-lhe profundamente a alma e ele ficou impressionado com a verdade do evangelho.
A partir daquele momento ele decidiu estudar sistematicamente a Bíblia. Seu método era muito simples. Ele começou a leitura em Gênesis lendo um versículo por vez e só lendo o seguinte depois de entender o sentido do primeiro. Como único instrumento de apoio ele usava uma concordância de Gruden para procurar versículos que tinham o sentido semelhante ao que ele estava estudando. Ele seguiu este método até chegar, depois de dois anos de estudo intenso, a Daniel 8 versículo 14: “Até duas mil e trezentas tardes e manhãs e o santuário será purificado.” A precisão matemática impressionou o mente do ex-deísta.
Era o ano de 1818 e pelos seus cálculos o tempo indicado pela profecia teria seu cumprimento em 1843. Segundo o estudo de Miller ele imaginou que neste ano Jesus voltaria a Terra. Como o cumprimento da profecia estava ainda 25 anos no futuro, Miller se conformou com a ideia de que faltava muito tempo e que neste intervalo apareceria alguém pregar esta mensagem ao mundo. Ele mostrava o que descobrira a qualquer pessoa que se manifestasse interesse pelo estudo das Escrituras. Sua esperança era que alguém mais jovem fosse chamado por Deus para pregar a profecia das 2300 tardes e manhãs. Contudo o tempo passou e o seu espírito se angustiava com a impressão de que ele deveria pregar esta descoberta.
A situação de angústia mental chegou a um ponto que Miller, em um sábado pela manhã, fez um pacto com Deus. Ele decidiu que pregaria a mensagem que Deus lhe havia revelado, mas e alguém o convidasse para pregar. Depois de fazer este acordo com Deus, ele se sentiu mais tranquilo por que ele imaginou que ninguém convidaria um fazendeiro interiorano para pregar. Meia hora depois um sobrinho de Miller bate na porta para lhe fazer um estranho pedido. Seu pai havia pedido que Miller aceitasse o convite para pregar na igreja que a sua família frequentava por que o pastor não poderia vir e não tinha ninguém para pregar. Segundo a sugestão do pai do garoto, Miller poderia pregar sobre as conclusões que ele chegara com seus estudos das profecias de Daniel.
Miller entrou em desespero. Ele correu para uma pequena mata que ele tinha ao lado de casa e ali clamou contra Deus. Depois de se acalmar ele viu neste chamado a ação de Deus e atendeu o chamado divino. Depois deste primeiro culto Miller recebeu vários convites para pregar a mesma mensagem em outras igrejas. Era o ano de 1833.[1]
Em dez anos a mensagem da breve volta de Cristo alcançou segundo os dados de alguns 50 mil seguidores e segundo outros 100 mil. A data tão aguardada chegou e Cristo não veio. Novos estudos determinaram o dia 22 de outubro de 1844 como a data determinada pela profecia para o retorno de Cristo. A data veio e passou e nada aconteceu na Terra. Grande foi o desapontamento. Lavouras tinham sido largadas sem serem colhidas. Terras e propriedades foram vendidas para se doar em favor da pregação da vinda de Jesus e Ele não veio.
Nasce o Movimento Adventista
Dos destroços deste movimento Deus fez nascer o Movimento Adventista. Os mileritas se dividiram em três grupos. A maioria continuou a esperar a breve vinda de Cristo, mas sem marcar nenhuma data específica. Outro grupo formado pelos espiritualizantes acreditava que o milênio já havia começado. Por fim, um pequeno grupo formado por menos de uma dúzia de mileritas continuou o seu estudo das profecias para entender onde estava o erro na sua interpretação. Hiran Edson, um dia depois do desapontamento, indo visitar um grupo de crentes para confortá-los teve uma visão onde entendeu que a data estava certa, mas o evento era outro. Havia um santuário no Céu e 22 de outubro de 1844 marcava a passagem de Cristo do lugar santo para o santíssimo. Aquela data definia o início da obra de juízo no céu. Deste pequeno núcleo de crentes surgiu a Igreja Adventista.
Se bem no começo eles resistissem a ideia de organizar a igreja que estava se formando, com o tempo viu-se que as necessidades da obra tornaram a organização imprescindível. Três fatores foram fundamentais para vencer a resistência dos que se opunham à organização da igreja. Em primeiro lugar, eles não tinham meios para credenciar líderes religiosos. Qualquer pessoa podia alegar ser um pregador adventista e a igreja não tinha como confirmar esta afirmação. Em segundo lugar, não existia um sistema eficiente para sustentar o ministério. Na década de 1850 a falta um sistema de arrecadar fundos para pagamento dos obreiros quase comprometeu o futuro da igreja que estava nascendo. Eminentes líderes como Lounghborough e Andrews chegaram a abandonar o serviço ministerial de tempo integral para se envolveram em outros trabalhos por que estavam com dificuldades de sustentar as suas famílias. Por fim, não havia um sistema legal para manter as propriedades da igreja. No fim dos anos 1850 a igreja já tinha prédios e uma prospera editora. O patrimônio da igreja não podia ficar em nome de pessoas físicas. Estas combinações de fatores levou o movimento nascente a tomar os primeiros passos rumo à organização formal.[2]
As igrejas locais começaram a organizar-se em associações estaduais. Em 1863 quatro associações se uniram para realizar a primeira Assembleia da Associação Geral. Na época o movimento já contava com três mil e quinhentos membros. John Byington foi eleito seu primeiro presidente. A igreja que nascia assumiu o seguinte voto:
“Nós, os signatários, mediante este nos associamos como igreja, adotando o nome de Adventistas do Sétimo Dia, prometendo guardar os mandamentos de Deus e a fé de Jesus Cristo.” O grande movimento Adventista, p. 58.
A Guerra da Secessão
No tempo que a igreja Adventista foi organizada os Estados Unidos estavam passando pela guerra da Secessão. O sul do país era escravagista e os grandes fazendeiros não receberam bem a eleição de um presidente anti-escravocrata. Eles temiam que a eleição de Abraham Lincol colocasse em colapso a estrutura econômica do sul do país. Por sua vez os estados do norte eram mais industrializados e a sua estrutura econômica estava assentada na mão de obra livre. Essa tensão levou o país a ruptura. A guerra civil durou de 1861 a 1865. E como não poderia deixar de ser, o conflito afetou a nova igreja que estava nascendo.
Os crentes se dividiram entre aqueles que achavam que o cristão pode e deve participar de ações de guerra e os que eram contrários. A discussão chegou às páginas da revista oficial da igreja a Review and Herald. O próprio editor, Tiago White, era a favor da participação dos crentes na guerra. Segundo o seu raciocínio, mesmo que a Lei de Deus não apoiasse a participação do crente em atos de guerra a responsabilidade pela violação da dela eram do Governo. Ele escreveu:
“Mas no caso do recrutamento, o governo assume a responsabilidade da violação da lei de Deus, e seria loucura resistir. Aquele que resistisse até que, na administração da lei militar, fosse abatido com um tiro, indo longe demais, achamos que teria de assumir a reponsabilidade por suicídio.”[3]
Tiago White considerava as páginas da revista Review and Herald um espaço democrático para a igreja discutir opiniões. Apesar de ser favorável a participação dos membros da igreja no conflito ele permitiu que qualquer irmão que quisesse poderia expressar a sua opinião sobre a questão. Foi exatamente o que aconteceu. Vários artigos e cartas chegaram à redação da revista, ora contra, ora à favor da participação dos adventistas no conflito que estava transcorrendo. Segundo os historiadores Schwarz e Greenleaf a igreja ficou dividida em três partidos:
“Três grupos se desenvolveram dentre das fileiras adventistas: alguns facões de guerra favoreciam vigoras participação na guerra a fim de acabar com a escravidão; alguns pacifistas mantinham sua posição de aceitar o martírio ou aprisionamento em vez de participarem em qualquer esforço de guerra; um terceiro grupo serviria, mas apenas se poupasse a necessidade portar armas e matar.”[4]
Joseph H. Waggoner, pai de Elliot Waggoner, reforçava o grupo dos que eram contrários a participação na guerra. Ele achava que mesmo o pagamento de taxas para liberação do jovem do serviço militar era contrário aos princípios do reino de Deus. Ele escreveu sua opinião com palavras firmes: “Minha presente convicção é que eu sofreria antes o resultado de um recrutamento e confiaria em Deus quanto às consequências, de preferência a aceita uma avaliação de cem dólares da minha consciência.”[5]
Na mesma edição da revista foi publicada uma opinião totalmente oposto a expressada pelo ancião Waggoner. O autor, Joseph Clark, apela para a dívida cívica que temos com o nosso governo para justificar a participação do crente em atos de guerra, quando convocado: “Deve o cristão, afinal de contas, que está em tão grande débito para com o governo por seu cuidado protetor no passado, deve o cristão esquecer o seu país na hora do perigo?”[6] Várias páginas da revista nas edições que se seguiram foram gastas no debate desta delicada questão, até que no começo do ano seguinte (1863) e questão foi resolvida por uma revelação recebida pela irmã White:
“Foi-me mostrado que o povo de Deus, que é seu tesouro peculiar, não pode empenhar-se nessa guerra complicada, porque isto é contrário a cada princípio de sua fé. No exército, não podem obedecer à verdade e ao mesmo tempo obedecer às ordens de seus superiores. Seria uma contínua violação da consciência [...] Mas se as exigências dos governantes são tais que entrem em conflito com as leis de Deus, a única questão a ser resolvida é: obedeceremos a Deus, ou ao homem?”[7]
Mais tarde Ellen White apresenta outra razão para os crentes não participaram de qualquer guerra:
“Satanás deleita-se na guerra; pois esta excita as mais vis paixões da alma, arrastando então para a eternidade as suas vítimas engolfadas no vício e sangue. É seu objetivo incitar as nações à guerra umas contra as outras; pois pode assim desviar o espírito do povo da obra de preparo para estar em pé no dia de Deus.”[8]
Quando foi promulgada a primeira lei de recrutamento do governo americano, a 3 de março de 1963, havia uma provisão para os objetores de consciência à participação naquele conflito. O Governo previu uma taxa de 300 dólares para liberar aqueles que eram contrários a participação na guerra por questões de consciência. Esta clausula de exceção foi visto como resultado da intervenção divina. Como a soma era uma pequena fortuna na época, as igrejas arrecadavam dinheiro para poder ajudar os jovens adventistas a escaparem do alistamento.
Para deixar clara a posição da igreja R. F. Cottrell escreveu uma série de artigos sob o título “Deve o cristão lutar?”. Nestes escritos ele afirmou que a pessoa que participasse de forma ativa ou passiva da guerra deveria ser-lhe aplicada a pena máxima, “o afastamento da comunhão” da igreja.[9] Como prova de que este era o consenso da igreja, dois meses antes a igreja de Battle Creek excluíra do quadro de membros por voto unânime o jovem Enoch Hayes, em 4 de março de 1865, por se alistar no exército.[10]
Como o conflito entre o Sul e o Norte estava se alongando além do que esperado à princípio, o Congresso americano eliminou a clausula de comutação (pagar a taxa de isenção no lugar de alistamento) em julho de 1864. Eles precisavam aumentar o número de alistados. Agora, apenas os objetores de consciência poderiam requerer os benefícios da comutação. Como os adventistas seriam considerados, uma vez que o movimento se organizara durante os anos da Guerra Civil?
A Comissão da Associação Geral designou o pastor John N. Andrews para apresentar a posição da igreja perante o governo americano. Em 30 de agosto de 1964 ele teve uma entrevista com o comandante da Polícia Militar, General James B. Fry, para apresentar a posição de não-combatência dos adventistas. O general Fry entendeu a posição da igreja e afirmou que a notificaria a seus subordinados. Contudo, nem todos os comandantes locais viam com bons olhos objetores de consciência. Eles dificultavam ao máximo a vida dos jovens adventista fiéis, com ameaça de prisão por insubordinação e até mesmo de mandar para o front de batalha. Naqueles dias o presidente Lincoln propôs o alistamento de mais 300 mil novos recrutas para defender o governo nortista. O certo estava se fechando e a igreja estava se sentido ameaçada.[11]
A direção da igreja propôs que o segundo sábado de fevereiro de 1865 como um dia especial de jejum e oração em favor dos jovens adventistas que corriam risco de serem convocados. Outro apelo foi feito para novas reuniões de oração entre os dias 1° e 4 de março. Como resposta do clamor do povo de Deus a guerra chegou ao fim com a rendição do General Lee no dia 8 de abril. Alguns focos de resistência ainda lutaram nas próximas seis semanas até que o conflito foi dado como encerrado no fim do junho.
Aqueles tenebrosos dias foram fundamentais para deixar bem clara a posição da igreja que estava nascendo. O Movimento Adventista foi chamado para defender a Lei de Deus, mesmo que isso custasse a vida dos seus membros.
(Continua na próxima semana)
[2] KNIGHT, George R. Uma igreja mundial, p. 57, 58.
[3] The Review and herald, 12 de agosto de 1862 (citado por Helmunt H. Kramer em Os Adventistas da Reforma, p. 99).
[4] SCHWARZ Richard W. e GREENLEAF, Floyd. Portadores de luz, p. 96.
[5] The Review and herald, 23 de setembro de 1862 (citado por Kramer, Op. Cit., p. 100).
[6] Ibidem, p. 100, 101.
[7] White, Ellen G. Testemunhos para a Igreja, volume 1, pág. 361. O ideal é ler todo o capítulo (págs. 355-368) para contextualizar a discussão sobre a guerra civil americana.
[8] White, Ellen G. O Grande Conflito, p. 589.
[9]The Review and herald, 30 de maio de 1865 (citado por Helmunt H. Kramer em Os Adventistas da Reforma, p. 111).
[10] The Review and herald, 7 de março de 1865 (citado por Helmunt H. Kramer em Os Adventistas da Reforma, p. 112).
[11] SCHWARZ Richard W. e GREENLEAF, Floyd. Portadores de luz, p. 97 e 98.