

Série Espírito Santo - a Triunidade de Deus no Novo Testamento
- Em: Teologia
- Por: Alexandre de Araújo
Tanto Jesus quanto os apóstolos eram fiéis monoteístas. Um mestre da lei perguntou ao Senhor qual era o mandamento mais importante (Mc 12.28). Jesus respondeu citando o shemá: “Ouve, ó Israel, o Senhor, o nosso Deus, o Senhor é o único Senhor.” (Dt 6.4). Logo em seguida Ele explica que o maior mandamento é amar a Deus e o segundo maior, mas de mesma importância, é amar ao próximo (Mc 12.29-31). Por fim o mestre da lei elogia a Jesus dizendo: “‘Muito bem, mestre’, disse o homem. ‘Estás certo ao dizeres que Deus é o único e que não existe outro além dele. Amá-lo de todo o coração, de todo o entendimento e de todas as forças, e amar ao próximo como a si mesmo é mais importante do que todos os sacrifícios e ofertas.’ Vendo que ele tinha respondido sabiamente, Jesus lhe disse: ‘Você não está longo do Reino de Deus’.” (Mc 12.32-35).
Seria ocioso continuar citando passagens bíblicas para provar que tanto Cristo como os apóstolos criam na existência de apenas um Deus único. Mas a medida que Jesus demonstrou que era Deus e que o Espírito Santo era um ser pessoal e divino também, seus seguidores compreenderam a triplo personalidade desse Deus único. Por isso, antes de ascender ao céu, Jesus poderia afirmar, sem se preocupar em ser mal compreendido: “Portanto, vão e façam discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo.” (Mt 28.19).
O reconhecimento de Cristo e do Espírito Santo como divinos “não resvalou para o politeísmo, ao abandono da idéia da unidade Deus, mas a um reconhecimento de movimento de vida dentro da unidade da Deidade.”
O plano da salvação exige a interpretação da natureza de Deus como triúna:
“O coração do crente está cônscio de que, pela fé em Cristo, pelo poder do Espírito Santo, nós conhecemos a Deus como Pai. Não podemos, porém, identificar Deus absolutamente com o Pai, ou com o Filho, ou com o Espírito Santo. É necessário cada qual destes para completar o conceito de Deus. Mesmo o Pai não preenche a idéia de Deus à parte do Filho e do Espírito Santo; pois, à parte do Filho não podemos conhecer Deus como Pai. É a obra de Deus comunicar-se conosco tanto quanto é a parte de Deus ser Deus em si mesmo. Esta obra de comunicar Deus conosco é a obra do Filho de Deus. Ademais, o despertamento da resposta em nossos corações e essa revelação de si mesmo em Cristo – esta é também a obra do Espírito Santo. Revelação (e salvação) deve ter sua fonte, sua comunicação, sua apropriação e seu completamento em Deus. O Pai envia o Filho, o Filho revela o Pai, e o Espírito Santo capacita os homens a apreenderem o Pai como revelado no Filho.”
No NT não temos nenhuma interpretação ou elaboração destes fatos, mas o seu reconhecimento.
A Trindade revelada nos evangelhos
A revelação de Deus como triuno vai se tornar clara à luz do Novo Testamento. No capítulo anterior, vimos que essa verdade estava velada no AT. Os israelitas estavam cercados pelo politeísmo professado pelos seus vizinhos. Se a Trindade fosse explicitada no AT poderia ser facilmente corrompida por essa influência. Além disso, essa doutrina só faria sentido à luz da encarnação do Verbo Divino. Jesus era Deus andando entre os homens (Jo 1.1, 14). Ele veio revelar tanto o caráter como a natureza de Deus (vers. 18).
Aqueles que não crêem na plena deidade de Cristo costumam argumentar que Ele nunca confessou que era Deus. Isso não é verdade. Em diversos momentos do Seu ministério, Ele revelou o seu caráter divino. Gradualmente seus discípulos foram compreendendo a Sua verdadeira natureza. O clímax dessa revelação progressiva foi a confissão de Tomé: “Senhor meu e Deus meu!” (Jo 20.28). Quais foram os passos didáticos dados por Jesus para que seus discípulos chegassem a essa conclusão?
Em diversos momentos Ele foi dando indicações da Sua origem divina. Podemos encontrar alguns desses indícios ao longo do evangelho de Mateus, por exemplo. No Sermão da Montanha, que encontramos nos capítulos 5 a7, Ele afirmou várias vezes: “Vocês ouviram o que foi dito aos seus antepassados [...] mas eu lhes digo” (cap. 5.21, 22, 27, 28, 31, 32, 33, 34, 38, 39, 43, 44). Enquanto os profetas da antiga aliança pregavam baseados na autoridade de Deus, dizendo “Assim diz o Senhor”, Jesus aparece fazendo reinterpretações baseados na Sua autoridade. Ele dizia “eu vos digo”, igualando a Sua autoridade a de Deus.
Quando os fariseus acusaram os discípulos de Cristo de transgredirem o sábado ao colherem espigas nesse dia, durante a discussão Jesus usou um argumento que revelava a Sua divindade. Ele afirmou: “Eu lhes digo que aqui está o que é maior do que o templo.” (Mt 12.6). Como isso soava para seus ouvintes? Como blasfêmia, afinal, o que havia no templo de Jerusalém que o tornava especial centro de culto? A “shekinah”, a luz da presença divina que brilhava sobre a arca da aliança. O templo fora construído para ser a habitação de Deus entre os homens (Êx 25.8). Quando Jesus afirmou que era maior do que o templo estava declarando que era Deus andando entre os homens. Jeová não estava mais separado do Seu povo pelas paredes de uma construção.
Quando Jesus acalmou a tempestade no Mar da Galiléia estava declarando que era Deus também. Naquele momento de crise os discípulos temeram pelas Suas vidas. “Então Ele se levantou e repreendeu os ventos e o mar, e fez-se completa bonança” (Mt 12.26). Então eles perplexos perguntaram: “Quem é este que até os ventos e o mar lhe obedecem?” O Salmo 89 responde: “Ó Senhor, Deus dos Exércitos, quem é semelhante a ti? És poderoso, Senhor, envolto em tua fidelidade. Tu dominas o revolto mar; quando se agigantam as suas ondas Tu as acalmas.” (vers. 8 e 9). A resposta àquela pergunta é contundente: Jesus era Deus.
Em outra ocasião, Ele estava pregando em casa na cidade de Cafarnaum quando quatro amigos lhe levaram um paralítico, deitado em uma maca. Antes de curá-lo, Jesus lhe oferece perdão para os seus pecados (Mt 9.2). A reação dos mestres da lei, que presenciaram a cena, é lógica: “Este homem está blasfemando!” (vers. 3). Por quê? A razão para acusar Jesus de blasfemador estava na questão: “Quem pode perdoar pecados, a não ser somente Deus?” (Mc 2.7). Segundo o salmista Davi, todo pecado que cometemos é feito contra Deus (Sl 51.4). Não existe perdão por procuração, como crêem os católicos. Apenas o ofendido pode perdoar a ofensa. Por isso, ao perdoar aquele homem Jesus estava fazendo algo que apenas Deus poderia fazer. Nesse momento Ele estava confessando a Sua divindade.
Em diversas outras ocasiões Jesus revela a Sua origem divina. Mas as afirmações mais claras sobre a divindade de Cristo encontram-se ao longo do evangelho de João. Algumas dessas passagens serão estudadas no capítulo seguinte.
E o Espírito Santo?
A doutrina da Trindade foi conseqüência natural da aceitação da deidade de Cristo. Ao longo do cumprimento da Sua missão, Cristo apresentou outra pessoa como sendo membro da divindade, o Espírito Santo. Ao crer em Jesus como Deus, os discípulos estavam agora prontos para compreender não só quem era o Espírito Santo, mas também, qual era a Sua obra.
Essa revelação começou cedo na pregação de Cristo. Por ocasião do Seu nascimento o anjo Gabriel afirmou a Maria que o milagre do nascimento do Messias seria obra do Espírito Santo. “O Espírito Santo virá sobre você, e o poder do Altíssimo a cobrirá com a sua sombra. Assim, aquele que há de nascer será chamado Santo, Filho de Deus.” (Lc 1.35).
Walter T. Conner comenta que o nascimento virginal de Jesus indica que a Sua natureza humana foi o resultado de um ato criativo da parte de Deus:
“O mesmo Espírito divino que pairou sobre as águas no princípio da criação pairava agora sobre Maria, e ela tornou-se mãe do único homem perfeito do mundo.”
A Trindade se revelou nesse milagre. Outro momento em que a Divindade se envolve na missão salvífica de Cristo aconteceu por ocasião do Seu batismo. Esse acontecimento inaugurou o Seu ministério público. Na ocasião “assim que Jesus foi batizado, saiu da água. Naquele momento o céu se abriu, e Ele veio Espírito de Deus descendo como pomba e pousando sobre Ele. Então uma voz dos céus disse: “Este é o meu Filho amado, em quem me agrado’.” (Mt 3.16, 17). Pai, Filho e Espírito Santo se revelam ao mundo nessa ocasião.
Logo após o batismo de Jesus o novo ato do Grande Conflito foi a provação que Ele passou no deserto. Cristo foi conduzido pelo Espírito Santo até lá (Mt 4.1 ;Mc 1.12). Durante o tempo que lá passou Jesus esteve sob Sua influência (Lc 4.1, 2). Por fim, Ele voltou para a Galiléia no poder do Espírito (Lc 4.14). O Espírito Santo esteve ligado ao começo, meio e fim da tentação no deserto. Cristo venceu a tentação no poder do Espírito.
O Senhor Jesus se relaciona conosco em dois aspectos: como exemplo e como Salvador. Como padrão de como deve ser a vida cristã os evangelhos declaram que Cristo era cheio do Espírito Santo. Por isso, Walter T. Conner conclui: “Seguir Jesus significa ser controlado pelo divino Espírito como Ele o foi.”
O auge da revelação da personalidade e divindade do Espírito Santo vai ser o sermão de despedida que Jesus profere na noite que Ele foi traído (veja Jo 14-16).
Segundo Amin Rodor, as cinco passagens em que o parákletos é mencionado no evangelho de João (Jo 14:15-17, 26; 15:26-27; 16: 7-11, 12-14), podem ser organizadas em quatro grupos:
“(1) A VINDA DO PARÁKLETOS E SEU RELACIONAMENTO COM O PAI: O parákletos virá, mas apenas quando Jesus partir (Jo 15.26; 16.7, 8, 13). Ele procede do Pai (Jo 5.26). O Pai concederá o parákletos a pedido de Jesus (Jo 14.16). Jesus, quando partir, enviará o parákletos da parte do Pai (Jo 16.7).
“(2) A IDENTIFICAÇÃO DO PARÁKLETOS: Ele é chamado “outro parákletos” (Jo 14.16). É, também, o Espírito de Verdade (Jo 14.17; 15.26), e o Espírito Santo (Jo 14.26).
“(3) A RELAÇÃO DO PARÁKLETOS COM OS DISCÍPULOS: Os discípulos reconhecem o parákletos (Jo 14.17). O parákletos estará com os discípulos e permanecerá com eles (Jo 14.16, 17). Ele ensinará aos discípulos todas as coisas (Jo 14.26). Guiará os discípulos a toda a verdade (Jo 16.13). Anunciará aos discípulos as coisas que hão de vir (Jo 16.13). Receberá e anunciará o que é de Jesus (Jo 16.14). Glorificará a Jesus (Jo 16.14). Testemunhará em favor de Jesus (Jo 15.26). Relembrará aos discípulos tudo o que Jesus lhes ensinou (Jo 14.26). O parákletos falará apenas o que ouvir e nada de Si mesmo (Jo 16. 13).
“(4) A RELAÇÃO DO PARÁKLETOS COM O MUNDO: O mundo não pode receber o parákletos (Jo 14.17); O mundo não O vê nem O conhece (Jo 14.17). No contexto do ódio e perseguição movidos pelo mundo (Jo 15.18-25), o parákletos testemunhará de Jesus (Jo 15.26). Ele tornará evidente o erro do mundo acerca do pecado, da justiça e do juízo (Jo 16.8-11).”
Sobre o “outro Conselheiro” prometido por Jesus, Walter T. Conner comenta:
“O mesmo Jesus havia sido o Paráclito deles. Agora ele vai deixá-los, e manda outro para tomar o seu lugar. A palavra outro significa outro da mesma espécie (allos), e não outro de deferente espécie (heteros). Como Jesus os havia fortalecido, confortado, guiado, até agora, assim este Amigo invisível, este consolador Auxiliar, passará a ser agora companheiro dele, e guia. Isso não é nenhuma influência impessoal, ou pode, mas uma presença pessoal.”
“A missão do Espírito, então, está em relação com Cristo e tão-somente com Ele. O Espírito não tem missão alguma senão em relação a Cristo e Sal obra salvadora. Ele não fala de si mesmo (Jo 16.13).”
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Referências:
CONNER, Walter T. Revelação e Deus, p. 309.
Idem, p. 308, 309.
Idem, p. 278.
Idem, p. 280
RODOR, Amin A. O Espírito-parákletos no quarto evangelho. Parousia, ano 4, nº 2 (2º semestre de 2005), p. 54.
CONNER, Walter Thomas. Revelação e Deus, p. 275.
Idem, p 283.