

Os seres-espíritos
- Em: Teologia
- Por: Alfons Balbach
Pelas Escrituras Sagradas podemos compreender claramente que, além deste mundo, existem também outros, que são igualmente habitados. Seres viventes os há não só neste globo, mas por todo o Universo. A existência de entes extraterrenos sempre foi, e ainda hoje é, reconhecida por todos os povos. E isto se deve à manifestação desses seres aos homens.
Há, porém, muitas superstições e ideias errôneas no tocante aos seres-espíritos. Creem muitos que um espírito é uma ficção e nada mais. Se assim fosse, não poderiam os seres-espíritos manifestar-se com provas visíveis e tangíveis de sua existência real, como efetivamente se manifestam.
ANJOS
Crê-se também largamente que os “espíritos ministradores, enviados para servir a favor daqueles que hão de herdar a salvação” (Hebreus 1:14), espíritos esses, aos quais Paulo chama “anjos” (verso 13), sejam os espíritos dos mortos. Mas a Bíblia nos diz que já havia anjos antes que qualquer ser humano houvesse morrido. Quando os nossos primeiros pais, por causa da desobediência, foram expulsos do Éden, Deus colocou querubins à porta do jardim, para que guardassem o caminho da árvore da vida (Gênesis 3:24). E quando Deus fundou a Terra, todos os filhos de Deus rejubilavam (Jó 38:4-7). Por aí podemos ver que os anjos não são espíritos de pessoas finadas, mas sim entes criados com a natureza que possuem. Nunca estiveram encarnados em homens. A encarnação ou reencarnação não existe. Diz-nos também a Bíblia que os anjos são maiores do que os homens. (Salmos 8:5; Hebreus 2:7). Eis aqui outra prova de que os anjos não são espíritos desencarnados.
A crença de que os anjos têm natureza abstrata faz parte do conjunto de mentiras satânicas sobre a questão anímica: a imortalidade da alma, o estado consciente dos mortos, o tormento eterno, etc. Há os que souberam precaver-se contra estes enganos, mas não estão completamente livres deste conjunto de mentiras, pois, por influência da crença popular, acreditam que os anjos sejam imateriais, e que assim também seriam os corpos espirituais (1 Coríntios 15:44) dos justos ressuscitados.
Os anjos ou seres-espíritos não são abstratos como geralmente se supõe. São perfeitamente concretos e tangíveis. Isto, todavia, não quer dizer que tenham corpo da corruptível natureza humana. Lucas 24:37, 39. São constituídos de outra substância, gloriosa.
Satanás é um anjo. Antes de sua queda, quando ainda no Céu, sua posição era de “querubim protetor” (Ezequiel 28:16). Ele, porém, de maneira nenhuma é imaterial, mas sim perfeitamente concreto. Isto vemos pela descrição que lhe é feita, como segue: “Estavas no Éden, jardim de Deus; toda a pedra preciosa era a tua cobertura, a sardônia, o topázio, o diamante, a turquesa, o ônix, o jaspe, a safira, o carbúnculo, a esmeralda e o ouro; a obra dos teus tambores e dos teus pífaros estava em ti; no dia em que foste criado foram preparados” (Ezequiel 28:13).
Que os anjos são seres físicos, vemos também pelo fato de eles tomarem alimento. (Gênesis 18:8). O maná é chamado “o pão dos anjos” (Salmos 78:25). Os justos, quando remidos, serão iguais aos anjos (Lucas 20:36), e, no reino de Deus, também hão de comer e beber. “E digo-vos que”, falou Jesus aos discípulos, “desde agora, não beberei deste fruto da vide até aquele dia em que o beba de novo convosco no reino de Meu Pai” (Mateus 26:29). “Ao que vencer”, é a promessa do Salvador, “dar-lhe-ei a comer da árvore da vida, que está no meio do paraíso de Deus” (Apocalipse 2:7), a qual dá “seu fruto de mês em mês” (Apocalipse 22:2). (Ver também Ezequiel 47:12).
Os seres-espíritos são normalmente invisíveis aos olhos humanos. Ao homem, enquanto no pecado, não é dado ver os anjos por ser incapaz de suportar sua glória. Mas o fato de não os podermos ver não quer dizer que não existam; tão pouco quer dizer que sejam imateriais. A invisibilidade de uma coisa não prova a inexistência física da mesma.
Se Deus abrisse nossos olhos, vedados por causa do pecado, então veríamos anjos ao nosso redor, assim como “o Senhor abriu os olhos a Balaão, e ele viu o anjo do Senhor” (Números 22:31).
Um anjo, para tornar-se visível, não se materializa, pois não necessita tornar-se o que já é. Não sofre mudança alguma. O que sofre mudança são os olhos humanos. Fechados, não podem ver os anjos; mas quando abertos, os veem, como aconteceu com Balaão.
Outro caso típico do que vimos de explicar, encontramos no relato acerca da tentativa de captura do profeta Eliseu pelos sírios. A Síria estava em guerra contra Israel, e o profeta, por revelação divina, fazia saber ao rei de Israel todos os planos dos sírios. O rei da Síria suspeitou se tratasse de traição por parte de algum dos seus, e, fazendo ele um inquérito, disse-lhe um dos seus servos: “Não, ó rei, meu senhor; mas o profeta Eliseu, que está em Israel, faz saber ao rei de Israel as palavras que tu falas na tua câmara de dormir”. Disse então o rei: “Vai, e vê onde ele está, para que envie, e mande trazê-lo. E fizeram-lhe saber, dizendo: eis que está em Dotã. Então enviou para lá cavalos, e carros, e um grande exército, os quais vieram de noite, e cercaram a cidade. E o moço do homem de Deus se levantou mui cedo, e saiu, e eis que um exército tinha cercado a cidade com cavalos e carros. Então o seu moço lhe disse: Ai, meu Senhor! que faremos? E ele disse: Não temas; porque mais são os que estão conosco do que os que estão com eles. E orou Eliseu, e disse: Senhor, peço-Te que lhe abras os olhos, para que veja. E o Senhor abriu os olhos do moço, e viu; e eis que o monte estava cheio de cavalos e carros de fogo, em redor de Eliseu” (2 Reis 6:13- 17).
O Senhor tem muitas vezes concedido que anjos se apresentassem visivelmente aos homens, a fim de instruí-los. Assim foi que Deus enviou um anjo ao profeta Daniel para anunciar-lhe os acontecimentos vindouros: “E levantei os meus olhos, e olhei, e vi um homem vestido de linho, e os seus lombos cingidos com ouro fino de Ufaz; e o seu corpo era como turquesa e o seu rosto parecia um relâmpago, e os seus olhos como tochas de fogo, e os seus braços e os seus pés como cor de bronze açacalado; e a voz das suas palavras como a voz duma multidão. E só eu, Daniel, vi aquela visão; os homens que estavam comigo não a viram; não obstante, caiu sobre eles um grande temor, e fugiram, escondendo-se. Fiquei pois eu só, e vi esta grande visão, e não ficou força em mim; e transmudou-se em mim a minha formosura em desmaio, e não retive força alguma. Contudo, ouvi a voz das suas palavras; e, ouvindo a voz das suas palavras, eu caí com o meu rosto em terra, profundamente adormecido” (Daniel 10:5-9).
Aos guardas romanos, que estavam velando sobre o corpo de Jesus, apareceu também um anjo removendo a pedra do sepulcro em que jazia o Salvador. Esse mensageiro celestial é assim descrito: “E eis que houvera um grande terremoto, porque um anjo do Senhor, descendo do Céu, chegou, removendo a pedra, e sentou-se sobre ela. E o seu aspecto era como um relâmpago, e o seu vestido branco como a neve. E os guardas, com medo dele, ficaram muito assombrados, e como mortos” (Mateus 28:2-4).
Estas descrições seriam inteiramente descabidas se os anjos ‘fossem seres abstratos. Outros casos de aparição de anjos são registrados em Números 22:22-31; Juízes 13:3; 2 Samuel 24:16, 17.
Muitas vezes anjos se hão apresentado, aos homens, em forma humana. Escreve Paulo que “alguns, não o sabendo, hospedaram anjos” (Hebreus 13:2). Três anjos apareceram certa vez a Abraão. Este os acolheu, oferecendo-lhes uma refeição, e lemos que “comeram” (Gênesis 18:2-8). Antes da destruição de Sodoma e Gomorra também apareceram a Ló dois anjos. Ló, pensando que fossem homens como ele mesmo, foi-lhes ao encontro e disse: “Eis agora, meus senhores, entrai, peço-vos, em casa de vosso servo, e passai nela a noite, e lavai os vossos pés; e de madrugada vos levantareis e ireis vosso caminho. E eles disseram: Não, antes na rua passaremos a noite. E porfiou com eles muito, e vieram com ele, e entraram em sua casa; e fez-lhes banquete, e cozeu bolos sem levedura, e comeram” (Gênesis 19:1-3). Certa vez “sucedeu que, estando Josué ao pé de Jericó, levantou os seus olhos, e olhou; e eis que se pôs em pé diante dele um homem que tinha na mão uma espada nua. E chegou-se Josué a Ele, e disse-Lhe: És Tu dos nossos, ou dos nossos inimigos? E disse Ele: Não, mas venho agora como príncipe do exército do Senhor. Então Josué se prostrou sobre o seu rosto na terra, e O adorou, e disse-Lhe: Que diz meu Senhor ao Seu servo? Então disse o príncipe do exército do Senhor a Josué: Descalça os sapatos de teus pés, porque o lugar em que estás é santo. E fez Josué assim” (Josué 5:13-15).
Fala-nos a Bíblia de duas classes de anjos: bons e maus. É que houve uma insurreição contra a autoridade de Deus, e o rebelde, chamado Lúcifer (agora Satanás), “foi precipitado na Terra, e os seus anjos foram lançados com ele” (Apocalipse 12:7-9). “Deus não perdoou aos anjos que pecaram (participando na rebelião), mas, havendo-os lançado no inferno, os entregou às cadeias da escuridão, ficando reservados para o juízo” (2 Pedro 2:4). O “inferno” em que foram lançados é sua reclusão nesta Terra. Não estão em tormento, mas, sim, aguardam o julgamento para então receberem o castigo merecido. O apóstolo Judas, a propósito, assim se expressa: “E aos anjos que não guardaram o seu principado, mas deixaram a sua própria habitação, reservou na escuridão, e em prisões eternas até o juízo daquele grande dia” (Judas 6).
Os anjos são superiores aos homens em sabedoria, poder e glória. (2 Pedro 2:11). Tanto os bons como os maus são dotados de um poder que se chama “espírito”, e, mediante esse poder, operam nos homens. A Bíblia fala de “espíritos de demônios” (Apocalipse 16:14). Por aí, compreende-se que os demônios, ou anjos caídos, possuem espírito. Os anjos podem, assim, pelo espírito que possuem, induzir os homens a pensar, falar e agir. Um exemplo nesse sentido encontramos em I Reis 22:20-22: “E disse o Senhor: Quem induzirá Acabe a que suba e caia em Ramote de Gileade? E um dizia desta maneira e outro de outra. Então saiu um espírito, e se apresentou diante do Senhor, e disse: Eu o induzirei. E o Senhor lhe disse: Com quê? E disse ele: Eu sairei, e serei um espírito de mentira na boca de todos os seus profetas [...] ”
Quando um demônio, por meio de seu espírito, opera em alguma pessoa, esta fica possessa ou endemoninhada. Jesus, quando no mundo, curou “muitos endemoninhados” (Mateus 8:16), expulsando deles os demônios, ou seja, os espíritos dos demônios. Lemos que “estava na sinagoga um homem que tinha um espírito de um demônio imundo, e exclamou em alta voz, dizendo: Ah! que temos nós contigo, Jesus Nazareno? Vieste a destruir-nos? Bem sei quem és: o Santo Deus. E Jesus o repreendeu, dizendo: Cala-te, e sai dele. E o demônio, lançando-o por terra no meio do povo, saiu dele sem lhe fazer mal” (Lucas 4:33-35).
A razão por que os anjos são chamados “espíritos” explica-se pela figura de retórica chamada “sinédoque”. Diz-se, por exemplo, segundo esta figura, “cem tetos” por “cem casas”, “cidade de 200.000 almas” em vez de “cidade de 200.000 habitantes”, “um vapor” em vez de “um navio a vapor”, “uma vela” no sentido de “um barco a vela”, etc. Na Escritura Sagrada também aparece esta figura de retórica e outras semelhantes. Os seguidores de Cristo são, por exemplo, chamados “o sal da terra” e “a luz do mundo” (Mateus 5:13-14), termos estes que são simbolicamente empregados para designar o conhecimento, a atitude, o comportamento, os atos, etc., dos cristãos. Outro exemplo: “As palavras que Eu vos disse”, falou Jesus aos Seus discípulos, “são espírito e vida” (João 6:63). Acompanhadas do poder do Espírito Santo, as palavras de Cristo transformam o caráter do homem, preparando-o para a vida eterna. Neste sentido são espírito e vida.
Os anjos, por sua vez, são chamados “espíritos”, justamente por serem dotados de espírito. Seria, porém, tão impróprio alguém pensar que um anjo é literalmente espírito, e, portanto, abstrato, como seria também impróprio pensar que os cristãos são literalmente sal ou luz.
CRISTO
De Cristo está escrito que Ele foi feito “Espírito vivificante” (1 Coríntios 15:45). No entanto, João apóstolo, que O vira em visão, descreve-O como sendo um ente pessoal concreto: “E no meio dos sete castiçais (vi) um semelhante ao Filho do homem, vestido até aos pés de um vestido comprido, e cingido pelos peitos com um cinto de ouro. E a Sua cabeça e cabelos eram brancos como lã branca, como a neve, e os Seus olhos como chama de fogo; e os Seus pés, semelhantes a latão reluzente, como se tivessem sido refinados numa fornalha, e a Sua VO7 como a voz de muitas águas [...] e o Seu rosto era como o Sol, quando na sua força resplandece” (Apocalipse 1:1316).
O PAI
Deus Pai também é espírito (João 4:24), e, não obstante, é um ser pessoal, físico, não só porque Cristo é “a expressa imagem de Sua pessoa” (Hebreus 1:3), mas também porque o Pai é descrito como tal (Daniel 7:9).
“ALMA” E “ESPÍRITO” HUMANOS
Como já mostramos em páginas anteriores, a Escritura freqüentemente usa “alma” como sinônimo de homem ou criatura. Isto se deve ao fato de que tanto o homem como os brutos são dotados de uma alma, um princípio de vida animal. Temos, pois, aqui, o mesmo caso de sinédoque. Há também alguns casos em que a Bíblia, pela mesma figura de retórica, usa “espíritos” como sinônimo de “homens”.
Por oportuno, achamos conveniente mencionar que na Bíblia, às vezes, há equivalência entre “alma” e “espírito”, quando estes termos são empregados para significar “vida”. Noutros sentidos, porém, a Bíblia faz distinção entre um e outro. Diz Paulo que a palavra de Deus “penetra até a divisão de alma e espírito” (Hebreus 4:12 - TB). E para se dividir a alma do espírito é preciso que sejam duas coisas distintas. Noutro lugar o apóstolo exorta os crentes assim: “E o mesmo Deus de paz vos santifique em tudo; e todo o vosso espírito, e alma, e corpo, sejam plenamente conservados irrepreensíveis para a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo” (1 Tessalonicenses 5:23). O “espirito” é aqui o “eu consciente, pensante, etc.”, e a “alma” é o “eu sensível, emocional, etc.”.
Em grego, a alma é “psike” e o espírito é “pneuma”. O apóstolo Paulo fala do nosso corpo atual como sendo um “corpo animal” (soma psikikon), e do nosso corpo futuro como sendo um “corpo espiritual” (soma pneumatikon). 1 Coríntios 15:44. Se, pois, não houvesse nenhuma distinção entre a alma e o espírito, também não haveria distinção alguma entre corpo animal e corpo espiritual. Em 1 Coríntios 2: 14-15 encontramos a mesma distinção: “Ora o homem natural (psikikos) não compreende as coisas do Espírito de Deus [...] Mas o que é espiritual (pneumatikos) discerne bem tudo [...] ” Em Judas 19 há outro exemplo.