

Num belo dia de verão quatro jovens catitas e folgazãs saíram ao campo a fim de visitar uma amiga que residia num vila próxima. Haviam passado a tarde desse dia em divertimentos inocentes e jovial palestra, e dispunham-se justamente a voltar a casa, quando subitamente se ouviu o grito: "Os ciganos, os ciganos!" e imediatamente depois aparecia um pequeno grupo desse povo nômade, tisnado do Sol. Esmolando e predizendo a sina, esse pequeno grupo percorria a vila, chegando finalmente à casa em que se achavam reunidas as amigas. Uma jovem mulher, de olhos pretos e brilhantes, que trazia uma criança ao colo, entrou na sala. Numa língua mal articulada, todavia compreensível, ela pediu uma pequena esmola e finalmente disse:
- Ó donzela bonita, a preta Zita também sabe ler a sina na sua mão, e bem verdade! Dê-me a mão direita; quer ouvir falar de riqueza e ventura? Zita está satisfeita com pequena paga.
Insistentemente ela pegou na mão de uma das jovens, que lhe estava mais próxima. Marta, porém, puxou indignada os dedos da mão da cigana e disse com um gesto de recusa: - Eu lhe agradeço, minha senhora. Não desejo conhecer antecipadamente a minha sorte, porque isto não é bom e Deus o proíbe.
- Mas querida Marta, disse sorrindo Ana, uma bela e graciosa jovem, você ao deve tomar isto tão a sério. Ora, isto nada mais é do que uma pequena brincadeira, um divertimento interessante.
- Não, minha amiga, isto não é nenhuma brincadeira, replicou Marta vivamente. Estou convencida de que no íntimo você há de crer firmemente no que essa mulher prediz; e por isso considero isto negócio ilícito, se não pecado. Rogo a você que mande embora a cigana! Lembre-se do que nos disse o nosso pastor acerca do terceiro mandamento.
- Ora deixe-se disto, Marta! Não seja tão impertinente, e não queira desmanchar o nosso prazer com a sua prédica! exclamaram as duas irmãs Isabel e Henriqueta. Desejamos saber que sina a cigana nos vai ler as mãos. Nisto não há certamente mal nenhum, porque muita gente faz o mesmo!
- Sim, sim, é isso mesmo, confirmou Ana, e por isso não queremos ser melhores do que outros. Aí, minha senhora, tem a minha mão. Vou fazer o começo. Mas veja lá se me profetiza alguma coisa boa!
A cigana sorriu astutamente, tomou então da mão da bela jovem, e começou as suas bruxarias. A criança ela havia assentado antes disso sobre a relva, onde tranqüilamente brincava, devorando o pão que lhe haviam dado. Curiosas, as jovens cercaram a cigana, e tinham uma impressão quase esquisita quando a adivinha, depois de haver murmurado algumas palavras incompreensíveis, começou a falar, num tom de voz solene: Ventura e desdita vem de uma mesma mão! A bela menina há de fazer duas vezes um casamento feliz e duas vezes ser privada do que lhe é mais caro! Está satisfeita, minha senhora?
- Ora, mais eu não poderia desejar, respondeu Ana, sorrindo um pouco constrangidamente. Dois maridos e com ambos feliz! Devo confessar que um só me satisfaria. Mas agora é a sua vez, Isabel. Estou curiosa de saber o que lhe vai dizer a sibila.
- Ora, deixem de tolices! exclamou Marta, com um gesto de indignação. Penso que isto deveria bastar-lhes. Seria melhor nos aprontarmos a fim de não chegarmos demasiado tarde a casa!
Não concordaram com isto as outras.
- Ora essa, exclamaram elas na sua travessura de meninas, queremos primeiro saber a parte que nos toca! Para voltar ainda temos muito tempo. Henriqueta, agora chegou a sua vez.
Contristada e indisposta, Marta voltou ao seu assento, enquanto a jovem Henriqueta oferecia a destra à cigana. Fosse por que a cigana se houvesse agastado com aquelas contraditas ou porque a moeda que Henriqueta lhe oferecera não lhe tivesse bastado, o que é certo é que desta vez não usou de cerimônias. "No dia 18 de junho a senhorita há de ... morrer," disse ela com um sorriso sarcástico. Tomou depressa a sua criança e desapareceu, antes que as meninas assustadas tivessem consciência do que havia sucedido. Henriqueta se tornou lívida, e espantadas as outras, olhavam ora para ela ora para a cigana, que se afastava.
Com exceção de Marta todas elas se sentiam como debaixo do influxo de um poder misterioso e estavam arrependidas de não haver seguido o conselho da amiga, quando esta, nervosa e num tom de censura, lhes disse:
- Estão vendo? é o que resulta destas coisas! Quem não quer ouvir tem de sofrer as conseqüências. Eu sabia perfeitamente que nada de bom podia resultar deste negócio. Agora aí vocês estão como crianças às quais as galinhas acabam de arrebatar o pão! Henriqueta, eu lhe peço, não faça uns gestos tão desesperados! Não penso que você seja capaz de dar crédito ao que disse aquela mulher tola. Nossa vida está nas mãos de Deus e não posso crer que Ele haja de revelar nosso destino e nosso fim a uma cigana. Venha, seja sensata e esqueça essa tolice.
Isto, porém, fora mais fácil dizer do que fazer. Embora marta fizesse todos os esforços para distrair sua amiga, quando se acharam em caminho de casa, ela contudo não o conseguiu.
Uma sombra misteriosa de tristeza pairava sobre aquele grupo de moças ainda havia pouco tão alegre, e que voltou para casa dominado por graves apreensões. Henriqueta, principalmente, estava muito excitada. Não podia esquecer um só instante a profecia da cigana, e este fato ela tomou como sinal certo de que a mulher lhe dissera a verdade. E conseqüência, o pensamento de sua morte próxima a afligia e torturava, roubando-lhe todo o prazer e alegria da vida. À medida que se aproximava o dia fatal marcado pela cigana, a sua angústia aumentava, e a moça, ainda havia pouco tempo tão sadia e vigorosa, foi-se consumindo de medo na expectativa do que devia acontecer.
Também as outras sofriam mais ou menos com a lembrança daquele ato insensato que haviam praticado. A única a quem estas coisas não afetavam era Marta, que fazia todo o empenho por dissuadir a amiga da sua fá naquela cigana. Infelizmente, porém, todos os seus argumentos foram inúteis. Henriqueta descaiu cada vez mais, e a sua jovialidade de outrora foi dando lugar a melancolia e a preocupações sinistras.
- Deixem-me! ninguém pode escapar a sina, dizia ela num tom apático, quando Marta com os olhos lacrimosos lhe pedia que se reanimasse e pela confiança em Deus e espírito prazenteiro desmentisse a profecia da cigana.
Ao raiar o dia fatal, a inditosa Henriqueta se achava gravemente enferma e o médico declarou que ela morreria. "Rápido descaimento de forças, disse ele, encolhendo os ombros. Não posso explicá-lo, pois a doente não tem disposição para a tísica, mas, a julgar pela sua constituição, teria podido alcançar idade avançada! É como se um fogo interno estivesse consumindo toda a sua vitalidade."
O médico havia inconscientemente acertado. O medo da profecia da cigana arrebatou a pobre moça na flor de seus anos. Teve, é verdade, o privilégio de morrer em paz com Deus e com os homens; isto, porém, não afetava o fato. Se Henriqueta não houvesse feito ler a sina, ela não teria morrido na flor da idade. A fé sinistra no cumprimento da profecia e o terror que experimentou por ela a fizeram adoecer e lhe deram a morte.
Algumas semanas antes da morte de Henriqueta, Ana se havia desposado com um moço respeitável e de boa posição, e tal foi a sua ventura, que ela a princípio esqueceu aquela profecia fatal. Quando, pois, a Henriqueta adoeceu gravemente, e ia-se tornando cada dia mais fraca, Ana lembrou-se, com horror, daquela cigana. Não seria possível que ela, apesar de tudo, tivesse falado a verdade? E se houvesse de realizar também o que lhe tinha predito com relação ao seu casamento! Ah, isto seria horrível! Daí em diante a jovem esposa só com tremor se podia regozijar ainda na sua felicidade, e mil vezes se arrependia de não ter atendido às advertências da prudente Marta. Também as sensatas exortações de seu marido, a quem confessara toda aquela história funesta, pouco aproveitaram. Medrosa, acompanhou o processo da doença de Henriqueta e a cada notícia de agravamento que recebia, o coração lhe palpitava com violência. "Se Henriqueta morrer, eu sei o que sei," dizia ela chorando. "Do mesmo modo que minha amiga, também eu terei que sofrer a minha sorte!" Era inútil advertir-lhe que uma cristã não podia ficar abandonada à sua sorte, mas que ela se encontrava sob a proteção de um Deus cheio de graça, sem a vontade de que nenhum cabelo cairia de sua cabeça. "Mas pode ser que seja a vontade de Deus que eu fique logo privada do que me é mais caro," suspirava ela. "A minha culpa e a minha infelicidade são que eu me tivesse prestado a tão funesta brincadeira."
Quando lhe chegou a notícia da morte de Henriqueta, a pobre mulher quase enlouqueceu, e foram necessárias as mais sérias e enérgicas exortações para faze-la reconhecer que a sua amiga morrera simplesmente pelo medo que tivera daquela profecia, e que ela mesma nada teria que recear se começasse a sua nova vida confiada no Senhor. Apesar de tudo, a lembrança desse fato continuava a ferir-lhe como um aguilhão a alma.
Sobre este acontecimento já decorreram muitos anos. O esposo de Ana ainda é vivo, sadio e forte, e nada deixa presumir que a profecia da cigana venha cumprir-se. Os dois esposos vivem muito felizes. De vez em quando anda falam daquela sibila de aldeia; as apreensões de Ana, porém, parecem ter desaparecido. Às vezes, quando o marido está em viagem ou quando ou quando se demora mais do que o costume, os velhos receios tornam a reviver, e então, apesar dos seus esforços para deles desfazer-se, ela só o consegue muito imperfeitamente. "Ah, se nunca tivera visto aquela cigana," ela muitas vezes suspira. "Mas quem havia de imaginar que a transgressão do mandamento de Deus havia de vingar-se tão duramente! Se não fora a profecia da cigana, Henriqueta talvez ainda estivesse viva hoje, e eu não necessitaria de viver apreensiva pela vida de meu marido!" "Não vos vireis para os adivinhadores e encantadores; não os busqueis, contaminando-vos com eles: Eu sou o Senhor vosso Deus." Levítico 19:31.