

A fuga de Davi
- Em: Escola Sabatina
- Por: Ellen G. White
Depois de matar Golias, Saul conservou Davi consigo, e não permitiu que voltasse à casa de seu pai. E aconteceu que “a alma de Jônatas se ligou com a alma de Davi; e Jônatas o amou, como à sua própria alma”. Jônatas e Davi fizeram um concerto para serem unidos como irmãos, e o filho do rei “se despojou da capa que trazia sobre si, a deu a Davi, como também os seus vestidos, até a sua espada, e o seu arco, e o seu cinto”. A Davi foram confiadas importantes responsabilidades; todavia ele conservou sua modéstia, e ganhou a afeição do povo bem como da casa real.
“Saía Davi aonde quer que Saul o enviava, e conduzia-se com prudência, e Saul o pôs sobre a gente de guerra”. 1 Samuel 18:1, 4, 5. Davi era prudente e fiel, e era evidente que a bênção de Deus estava com ele. Saul por vezes se compenetrava de sua própria inaptidão para o governo de Israel, e entendia que o reino estaria mais livre de perigo se pudesse haver ligado com ele alguém que recebesse instrução do Senhor. Saul esperava também que sua associação com Davi fosse uma salvaguarda para si mesmo. Visto que Davi era favorecido e defendido pelo Senhor, sua presença poderia ser uma proteção a Saul quando com ele saía a guerrear.
Foi a providência de Deus que ligou Davi a Saul. O cargo de Davi na corte dar-lhe-ia conhecimento dos negócios desta, em seu preparo para a sua futura grandeza. Habilitá-lo-ia a captar a confiança da nação. Os sofrimentos e dificuldades que lhe ocorreram, em virtude da inimizade de Saul levá-lo-iam a sentir sua dependência de Deus, e a depositar nEle toda a sua confiança. E a amizade de Jônatas por Davi era também da providência de Deus, a fim de preservar a vida do futuro governante de Israel. Em todas estas coisas, Deus estava levando a efeito Seus propósitos de graça, tanto em favor de Davi como do povo de Israel. }
Saul, entretanto, não permaneceu muito tempo amigo de Davi. Quando Saul e Davi voltavam da batalha aos filisteus, “as mulheres de todas as cidades de Israel saíram ao encontro do rei Saul, cantando, e dançando, com adufes, com alegria, e com instrumentos de música”. Um grupo cantava: “Saul feriu os seus milhares”, enquanto o outro grupo apanhava o estribilho, e respondia: “Porém Davi os seus dez milhares.” O demônio da inveja entrou no coração do rei. Ficou irado porque Davi era mais exaltado que ele no cântico das mulheres de Israel. Em vez de subjugar estes sentimentos de inveja, manifestou a fraqueza de seu caráter, e exclamou: “Dez milhares deram a Davi, e a mim somente milhares; na verdade, que lhe falta senão só o reino?” 1 Samuel 18:6-8.
Um grande defeito no caráter de Saul era seu amor à aprovação. Esta característica tivera uma influência preponderante em suas ações e pensamentos; tudo se assinalava pelo seu desejo de louvor e exaltação própria. Sua norma para o que era reto e aquilo que o não era, consistia no baixo padrão do aplauso popular. A pessoa que vive para agradar aos homens, e não procura primeiramente a aprovação de Deus, não está livre de perigo. Era a aspiração de Saul ser o primeiro na estima dos homens; e, quando foi entoado este cântico de louvor, uma firme convicção entrou no espírito do rei, de que Davi ganharia o coração do povo, e reinaria em seu lugar.
Saul abriu o coração ao espírito de inveja de que sua alma estava envenenada. Apesar das lições que havia recebido do profeta Samuel, dando-lhe a instrução de que Deus cumpriria o que quer que Ele desejasse, e que ninguém O poderia impedir, o rei demonstrou que não tinha verdadeiro conhecimento dos planos de Deus. O rei de Israel estava opondo sua vontade à do Ser infinito. Saul não tinha aprendido, enquanto governava o reino de Israel, que devia governar seu próprio espírito. Permitiu que os ímpetos lhe dirigissem o discernimento, até mergulhar-se no furor da paixão. Tinha ataques de raiva, ocasiões em que se dispunha a tirar a vida de qualquer que ousasse opor-se à sua vontade. Deste frenesi passava a um estado de desalento e desprezo de si mesmo, e o remorso se apoderava de seu coração.
Gostava de ouvir Davi tocar harpa, e o espírito mau parecia afastar-se como por encanto durante aquele tempo; um dia, porém, quando o jovem estava a servir perante ele, e de seu instrumento arrancava música suave, acompanhando sua voz a cantar os louvores de Deus, subitamente arremessou Saul a lança contra o músico com o intuito de dar fim à sua vida. Davi foi preservado pela intervenção de Deus, e ileso fugiu da ira do enfurecido rei.
Aumentando o ódio de Saul contra Davi, tornou-se ele cada vez mais atento para encontrar uma oportunidade a fim de lhe tirar a vida; mas nenhum de seus planos contra o ungido do Senhor foi bem-sucedido. Saul entregou-se ao domínio do espírito mau que o governava, ao passo que Davi confiava nAquele que é poderoso em conselho, e forte para livrar. “O temor do Senhor é o princípio da sabedoria” (Provérbios 9:10) e a oração de Davi era continuamente dirigida a Deus, para que pudesse andar diante dEle de uma maneira perfeita.
Desejando libertar-se da presença de seu rival, o rei “o desviou de si, e o pôs por chefe de mil. [...] Porém todo o Israel e Judá amava a Davi”. 1 Samuel 18:13, 16. O povo bem depressa viu que Davi era pessoa competente, e que os negócios entregues às suas mãos eram dirigidos com sabedoria e perícia. Os conselhos do moço eram de caráter sábio e discreto, e demonstraram a conveniência de segui-los, enquanto o juízo de Saul era por vezes indigno de confiança, e não prudentes as suas decisões.
Posto que Saul estivesse sempre alerta procurando uma oportunidade para destruir a Davi, tinha receio dele, visto ser evidente que o Senhor estava com ele. O caráter irrepreensível de Davi suscitou a ira do rei; ele imaginava que a própria vida e presença de Davi lançavam opróbrio sobre ele, visto que contrastadamente apresentavam com desvantagem o seu caráter. Era a inveja o que infelicitava a Saul, e punha em risco o humilde súdito de seu trono. Que mal indescritível tem feito em nosso mundo este mau traço de caráter! A mesma inimizade que moveu o coração de Caim contra seu irmão Abel, porque as obras de Abel eram justas, e Deus o honrava, e as suas eram más, e o Senhor o não podia abençoar, essa mesma inimizade existiu no coração de Saul. A inveja é filha do orgulho, e, se é alimentada no coração, determinará o ódio, e finalmente a vingança e o assassínio. Satanás mostrou seu próprio caráter, incitando o furor de Saul contra aquele que nunca lhe fizera mal.
O rei mantinha estrita vigilância sobre Davi, esperando encontrar-lhe alguma ocasião de indiscrição ou precipitação que pudesse servir como desculpa para acarretar-lhe a desonra. Entendia que não poderia ficar satisfeito antes que tirasse a vida do moço e ainda assim estivesse justificado perante a nação pelo seu mau ato. Pôs uma cilada para os pés de Davi, instando com ele para que dirigisse a guerra contra os filisteus com um vigor ainda maior, e prometendo, como recompensa ao seu valor, casamento com a filha mais velha da casa real. A resposta modesta de Davi a esta proposta foi: “Quem sou eu, e qual é a minha vida e a família de meu pai em Israel, para vir a ser genro do rei?” O rei manifestou sua insinceridade, dando a princesa em casamento a outro.
Uma afeição a Davi por parte de Mical, a filha mais moça de Saul, proporcionou ao rei outra oportunidade para tramar contra seu rival. A mão de Mical foi oferecida ao moço sob condição de ser apresentada a prova de derrota e morticínio de certo número de seus adversários nacionais: “Saul tentava fazer cair a Davi pela mão dos filisteus”; Deus, porém, protegeu o Seu servo. Davi voltou vitorioso da batalha, para tornar-se genro do rei. “Mical, filha de Saul, o amava” (1 Samuel 18:18, 25, 20), e o rei, enraivecido, viu que suas tramas haviam resultado no engrandecimento daquele a quem procurava destruir. Estava ainda mais certo de que este era o homem que o Senhor dissera ser melhor do que ele, e que reinaria no trono de Israel, em seu lugar. Arremessando de si todo o disfarce, expediu uma ordem a Jônatas e aos oficiais da corte para tirarem a vida daquele a quem odiava.
Jônatas revelou a intenção do rei a Davi, e mandou-o que se escondesse, enquanto ele pleitearia com seu pai a fim de poupar a vida do libertador de Israel. Expôs ao rei o que Davi tinha feito para preservar a honra e mesmo a vida da nação, e que terrível crime repousaria sobre o assassino daquele que Deus usara para dispersar seus inimigos. Comoveu-se a consciência do rei, e abrandou-se-lhe o coração. “E jurou Saul: Vive o Senhor, que não morrerá”. 1 Samuel 19:6. Davi foi trazido a Saul, e servia em sua presença, como havia feito anteriormente.
De novo foi declarada a guerra entre os israelitas e os filisteus, e Davi conduziu o exército contra os inimigos. Uma grande vitória foi ganha pelos hebreus, e o povo do reino louvou sua sabedoria e heroísmo. Isto serviu para instigar a anterior animosidade de Saul contra ele. Enquanto o moço tocava perante o rei, enchendo o palácio de suave harmonia, a paixão de Saul venceu-o e ele arremessou um dardo contra Davi, julgando pregar o músico na parede; mas o anjo do Senhor desviou a arma mortífera. Davi escapou e fugiu para sua casa. Saul mandou espias para que o prendessem quando saísse pela manhã, e dessem fim à sua vida.
Mical informou Davi do intuito de seu pai. Insistiu com ele para que fugisse para salvar a vida, e desceu-o pela janela, possibilitando-lhe assim escapar. Ele fugiu a Samuel em Ramá, e o profeta, sem temer o desagrado do rei, recebeu com satisfação o fugitivo. O lar de Samuel era um lugar pacífico em contraste com o palácio real. Foi ali, entre as colinas, que o honrado servo do Senhor continuou a sua obra. Um grupo de videntes estava com ele e estudavam minuciosamente a vontade de Deus, escutando com reverência as palavras de instrução que caíam dos lábios de Samuel. Preciosas foram as lições que Davi aprendeu do mestre de Israel. Davi acreditava que as tropas de Saul não receberiam ordem para invadir aquele local sagrado; mas lugar algum parecia sagrado à mente entenebrecida do desesperado rei. A ligação de Davi com Samuel suscitou o ciúme do rei, com o receio de que aquele que era por todo o Israel reverenciado como o profeta de Deus, emprestasse sua influência para a ascensão do rival de Saul. Quando o rei soube onde Davi se achava, enviou oficiais para o trazerem a Gibeá, onde tencionava executar seu intuito assassino.
Os mensageiros partiram, decididos a tirarem a vida a Davi; mas Alguém, que era maior do que Saul, dirigiu-os. Encontraram-se com anjos invisíveis, como se deu com Balaão quando estava a caminho para amaldiçoar Israel. Começaram a proferir dizeres proféticos sobre o que ocorreria no futuro, e proclamavam a glória e majestade de Jeová. Assim Deus governou a ira do homem, em prol de Seus intuitos, e manifestou Seu poder para restringir o mal, enquanto entrincheirou Seu servo com uma guarda de anjos.
A notícia chegou a Saul enquanto avidamente esperava ter Davi em seu poder; mas, em vez de sentir a repreensão de Deus, ficou ainda mais exasperado, e enviou outros mensageiros. Estes também foram superados pelo Espírito de Deus, e uniram-se aos primeiros a profetizar. Terceira embaixada foi enviada pelo rei; mas, quando chegaram aos profetas, a influência divina caiu sobre eles, também, e profetizavam. Saul então resolveu ir ele próprio, pois que sua atroz inimizade se tornara ingovernável. Decidiu-se a não esperar outra oportunidade para matar a Davi; logo que ele estivesse ao seu alcance tencionava matá-lo com sua própria mão, quaisquer que fossem as conseqüências.
Mas um anjo de Deus encontrou-o no caminho, e tomou domínio dele. O Espírito de Deus continha-o em Seu poder, e ele prosseguiu a dizer orações a Deus, entremeadas de predições e melodias sagradas. Profetizava a respeito do Messias vindouro, como o Redentor do mundo. Quando chegou à casa do profeta em Ramá, tirou as vestes de cima, que indicavam a sua posição social, e todo o dia e toda a noite manteve-se diante de Samuel e seus discípulos, sob a influência do Espírito divino. O povo juntou-se para ver esta cena estranha, e a experiência do rei foi relatada por toda parte. Assim, de novo, perto do final de seu reino, tornou-se um provérbio em Israel que Saul também estava entre os profetas.
Novamente fracassou o perseguidor em seus intuitos. Afirmou a Davi que estava em paz com ele; mas Davi tinha pouca confiança no arrependimento do rei. Aproveitou esta oportunidade para escapar, receoso de que a disposição de ânimo do rei mudasse, como anteriormente. Seu coração estava ferido dentro de si, e anelava ver mais uma vez seu amigo Jônatas. Cônscio de sua inocência, procurou o filho do rei, e fez um apelo muitíssimo tocante. “Que fiz eu?” perguntou ele; “qual é o meu crime? e qual é o meu pecado diante de teu pai, que procura tirar-me a vida?” Jônatas acreditava que seu pai tinha mudado de propósito, e não mais tencionava tirar a vida de Davi. E lhe disse: “Tal não seja; não morrerás. Eis que meu pai não faz coisa nenhuma grande, nem pequena, sem primeiro me dar parte; por que pois meu pai me encobriria este negócio? não é assim.” Jônatas não podia crer que, depois da notável exibição do poder de Deus, seu pai ainda faria mal a Davi, visto que tal ato seria manifesta rebelião contra Deus. Mas Davi não estava convencido. Com grande veemência declarou a Jônatas: “Vive o Senhor, e vive a tua alma, que apenas há um passo entre mim e a morte”. 1 Samuel 20:1, 2.
…
Saul estivera preparando-se para armar cilada a Davi, e capturá-lo na caverna de Adulão; e, quando foi descoberto que Davi havia deixado aquele lugar de refúgio, o rei ficou grandemente irado. A fuga de Davi era um mistério para Saul. Podia explicá-lo apenas pela crença de que tinha havido traidores no seu acampamento, os quais informaram o filho de Jessé quanto à sua aproximação e intuitos.
Afirmou a seus conselheiros que uma conspiração se formara contra ele, e, com o oferecimento de ricos presentes e cargos de honra, subornou-os para que revelassem a pessoa que entre seu povo favorecera a Davi. Doegue, o idumeu, fez-se informante. Movido pela ambição e cobiça, bem como pelo ódio ao sacerdote, que havia reprovado os seus pecados, relatou Doegue a visita de Davi a Aimeleque, apresentando isto sob uma luz tal que acendeu a ira de Saul contra o homem de Deus. As palavras daquela língua perniciosa, postas sobre o fogo do inferno, instigaram as piores paixões no coração de Saul. Enlouquecido de raiva, declarou que a família toda do sacerdote pereceria. E o terrível decreto foi executado. Não somente Aimeleque, mas os membros da casa de seu pai — “oitenta e cinco homens que vestiam o éfode de linho” — foram mortos por ordem do rei, pela mão assassina de Doegue.
“Também a Nobe, cidade destes sacerdotes, passou a fio de espada, desde o homem até à mulher, desde os meninos até aos de mama, e até os bois, jumentos e ovelhas”. 1 Samuel 22:18, 19. Isto foi o que Saul pôde fazer sob o domínio de Satanás. Quando Deus dissera que a iniqüidade dos amalequitas estava completa, e lhe mandara destruí-los inteiramente, ele se julgou demasiadamente compassivo para executar a sentença divina, e poupou aquilo que estava votado à destruição; mas agora, sem ordem de Deus, sob a guia de Satanás, matou os sacerdotes do Senhor, e acarretou a destruição aos habitantes de Nobe. Tal é a perversidade do coração humano que recusa a guia de Deus.
Esse acontecimento encheu de horror todo o Israel. Fora o rei que eles tinham escolhido que cometera tal afronta; e fizera-o unicamente segundo a maneira dos reis de outras nações que não temiam a Deus. A arca estava com eles; mas os sacerdotes por meio de quem haviam feito indagação foram mortos com a espada. O que aconteceria a seguir?