A lei não fora proferida naquela ocasião exclusivamente para o benefício dos hebreus. Deus os honrou, fazendo deles os guardas e conservadores de Sua lei, mas esta deveria ser considerada como um depósito sagrado para todo o mundo. Os preceitos do Decálogo são adaptados a toda a humanidade, e foram dados para a instrução e governo de todos. Dez preceitos breves, compreensivos, e dotados de autoridade, abrangem os deveres do homem para com Deus e seus semelhantes; e todos baseados no grande princípio fundamental do amor. “Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todas as tuas forças, e de todo o teu entendimento, e ao teu próximo como a ti mesmo”. Lucas 10:27; Deuteronômio 6:4, 5; Levítico 19:18. Nos Dez Mandamentos estes princípios são apresentados pormenorizadamente, e aplicáveis às condições e circunstâncias do homem. {PP 214.5}
“Não terás outros deuses diante de Mim” (Êxodo 20:3) — Jeová, o Ser eterno, existente por Si mesmo, incriado, sendo o originador e mantenedor de todas as coisas, é o único que tem direito a reverência e culto supremos. Proíbe-se ao homem conferir a qualquer outro objeto o primeiro lugar nas suas afeições ou serviço. O que quer que acariciemos que tenda a diminuir nosso amor para com Deus, ou se incompatibilize com o culto a Ele devido, disso fazemos um deus. {PP 215.1}
“Não farás para ti imagem de escultura, nem alguma semelhança do que há em cima nos céus, nem embaixo na Terra, nem nas águas debaixo da Terra. Não te encurvarás a elas nem as servirás.” — O segundo mandamento proíbe o culto ao verdadeiro Deus por meio de imagens ou semelhanças. Muitas nações gentílicas pretendiam que suas imagens eram meras figuras ou símbolos pelos quais adoravam a Divindade; mas Deus declarou que tal culto é pecado. A tentativa de representar o Eterno por meio de objetos materiais, rebaixaria a concepção do homem acerca de Deus. A mente, desviada da perfeição infinita de Jeová, seria atraída para a criatura em vez de o ser para o Criador. E, rebaixando-se suas concepções acerca de Deus, semelhantemente degradar-se-ia o homem. {PP 215.2}
“Eu, o Senhor teu Deus, sou Deus zeloso.” A íntima e sagrada relação de Deus para com Seu povo é representada sob a figura do casamento. Sendo a idolatria o adultério espiritual, é o desprazer de Deus contra a mesma apropriadamente chamado ciúme. {PP 215.3}
“Visito a maldade dos pais nos filhos, até a terceira e a quarta geração daqueles que Me aborrecem.” É inevitável que os filhos sofram as consequências das más ações dos pais, mas não são castigados pela culpa deles, a não ser que participem de seus pecados. Dá-se, entretanto, em geral o caso de os filhos andarem nas pegadas de seus pais. Por herança e exemplo os filhos se tornam participantes do pecado do pai. Más tendências, apetites pervertidos e moral vil, assim como enfermidades físicas e degeneração, são transmitidos como um legado de pai a filho, até a terceira e quarta geração. Esta terrível verdade deveria ter uma força solene para restringir os homens de seguirem uma conduta de pecado. {PP 215.4}
“Faço misericórdia em milhares aos que Me amam e guardam os Meus mandamentos.” Proibindo o culto aos falsos deuses, o segundo mandamento envolve a ordem de adorar o verdadeiro Deus. E aos que são fiéis em Seu serviço, promete-se a misericórdia, não meramente à terceira e quarta geração, como é ameaçada a ira contra os que O aborrecem, mas a milhares de gerações. {PP 215.5}
“Não tomarás o nome do Senhor teu Deus em vão; porque o Senhor não terá por inocente o que tomar o Seu nome em vão” (Êxodo 20:7) — Este mandamento não somente proíbe os falsos juramentos e juras comuns mas veda-nos o uso do nome de Deus de maneira leviana ou descuidada, sem atentar para a sua terrível significação. Pela precipitada menção de Deus na conversação comum, pelos apelos a Ele feitos em assuntos triviais, e pela frequente e impensada repetição de Seu nome, nós O desonramos. “Santo e tremendo é o Seu nome”. Salmos 111:9. Todos devem meditar em Sua majestade, pureza e santidade, para que o coração possa impressionar-se com uma intuição de Seu exaltado caráter; e Seu santo nome deve ser pronunciado com reverência e solenidade. {PP 216.1}
“Lembra-te do dia do sábado, para o santificar. Seis dias trabalharás, e farás toda a tua obra. Mas o sétimo dia é o sábado do Senhor teu Deus; não farás nenhuma obra, nem tu, nem teu filho, nem tua filha, nem o teu servo, nem a tua serva, nem o teu animal, nem o teu estrangeiro que está dentro das tuas portas. Porque em seis dias fez o Senhor os céus e a Terra, o mar e tudo que neles há, e ao sétimo dia descansou, portanto abençoou o Senhor o dia do sábado, e o santificou” (Êxodo 20:8-11) — O sábado não é apresentado como uma nova instituição, mas como havendo sido estabelecido na criação. Deve ser lembrado e observado como a memória da obra do Criador. Apontando para Deus como Aquele que fez os céus e a Terra, distingue o verdadeiro Deus de todos os falsos deuses. Todos os que guardam o sétimo dia, dão a entender por este ato que são adoradores de Jeová. Assim, é o sábado o sinal de submissão a Deus por parte do homem, enquanto houver alguém na Terra para O servir. O quarto mandamento é o único de todos os dez em que se encontra tanto o nome como o título do Legislador. É o único que mostra pela autoridade de quem é dada a lei. Assim contém o selo de Deus, afixado à Sua lei, como prova da autenticidade e vigência da mesma. {PP 216.2}
Deus deu aos homens seis dias nos quais trabalhar, e exige que seus trabalhos sejam feitos nos seis dias destinados a isso. Atos necessários e misericordiosos são permitidos no sábado; os doentes e sofredores em todo o tempo devem ser tratados; mas o trabalho desnecessário deve ser estritamente evitado. “Se desviares o teu pé do sábado, e de fazer a tua vontade no Meu santo dia, e se chamares ao sábado deleitoso, e santo dia do Senhor, digno de honra, e o honrares não seguindo os teus caminhos, nem pretendendo fazer a tua própria vontade...” Isaías 58:13. Tampouco fica nisto a proibição. “Nem falar as tuas próprias palavras”, diz o profeta. Aqueles que no sábado discutem assuntos de negócios ou fazem planos, são considerados por Deus como se estivessem empenhados na própria transação de negócio. Para santificar o sábado não devemos mesmo permitir que nosso espírito se ocupe com coisas de caráter mundano. E o mandamento inclui todos dentro de nossas portas. Os que convivem na casa devem durante as horas sagradas pôr de parte suas ocupações mundanas. Todos devem unir-se a honrar a Deus por meio de um culto voluntário em Seu santo dia. {PP 216.3}
“Honra a teu pai e a tua mãe, para que se prolonguem os teus dias na Terra que o Senhor teu Deus te dá” (Êxodo 20:12) — Os pais têm direito ao amor e respeito em certo grau que a nenhuma outra pessoa é devido. O próprio Deus, que pôs sobre eles a responsabilidade pelas almas confiadas aos seus cuidados, ordenou que durante os primeiros anos da vida estejam os pais em lugar de Deus em relação aos seus filhos. E aquele que rejeita a lícita autoridade de seus pais, rejeita a autoridade de Deus. O quinto mandamento exige que os filhos não somente tributem respeito, submissão e obediência a seus pais, mas também lhes proporcionem amor e ternura, aliviem os seus cuidados, zelem de seu nome, e os socorram e consolem na velhice. Ordena também o respeito aos ministros e governantes, e a todos os outros a quem Deus delegou autoridade. {PP 217.1}
Este, diz o apóstolo, “é o primeiro mandamento com promessa”. Efésios 6:2. Para Israel, esperando em breve entrar em Canaã, era um penhor, ao obediente, de uma vida longa naquela boa terra; mas tem ele uma significação mais ampla, incluindo todo o Israel de Deus e prometendo vida eterna sobre a Terra, quando esta estiver livre da maldição do pecado. {PP 217.2}
“Não matarás” (Êxodo 20:13) — Todos os atos de injustiça que tendem a abreviar a vida; o espírito de ódio e vingança, ou a condescendência de qualquer paixão que leve a atos ofensivos a outrem, ou nos faça mesmo desejar-lhe mal (pois “qualquer que aborrece seu irmão é homicida”); uma negligência egoísta de cuidar dos necessitados e sofredores; toda a condescendência própria ou desnecessária privação, ou trabalho excessivo com a tendência de prejudicar a saúde — todas estas coisas são, em maior ou menor grau, violação do sexto mandamento. {PP 217.3}
“Não adulterarás” (Êxodo 20:14) — Este mandamento proíbe não somente atos de impureza, mas pensamentos e desejos sensuais, ou qualquer prática com a tendência de os excitar. A pureza é exigida não somente na vida exterior, mas nos intuitos e emoções secretos do coração. Cristo, que ensinou os deveres impostos pela lei de Deus, em seu grande alcance, declarou ser o mau pensamento ou olhar tão verdadeiramente pecado como o é o ato ilícito. {PP 217.4}
“Não furtarás” (Êxodo 20:15) — Tanto pecados públicos como particulares são incluídos nesta proibição. O oitavo mandamento condena o furto de homens e tráfico de escravos, e proíbe a guerra de conquista. Condena o furto e o roubo. Exige estrita integridade nos mínimos detalhes dos negócios da vida. Veda o engano no comércio, e requer o pagamento de débitos e salários justos. Declara que toda a tentativa de obter-se vantagem pela ignorância, fraqueza ou infelicidade de outrem, é registrada como fraude nos livros do Céu. {PP 217.5}
“Não dirás falso testemunho contra o teu próximo” (Êxodo 20:16) — Aqui se inclui todo falar que seja falso a respeito de qualquer assunto, toda tentativa ou intuito de enganar nosso próximo. A intenção de enganar é o que constitui a falsidade. Por um relance de olhos, por um movimento da mão, uma expressão do rosto, pode-se dizer falsidade tão eficazmente como por palavras. Todo exagero intencional, toda sugestão ou insinuação calculada a transmitir uma impressão errônea ou desproporcionada, mesmo a declaração de fatos feita de tal maneira que iluda, é falsidade. Este preceito proíbe todo esforço no sentido de prejudicar a reputação de nosso próximo, pela difamação ou suspeitas ruins, pela calúnia ou intrigas. Mesmo a supressão intencional da verdade, pela qual pode resultar o agravo a outrem, é uma violação do nono mandamento. {PP 218.1}
“Não cobiçarás a casa do teu próximo, não cobiçarás a mulher do teu próximo, nem o seu servo, nem a sua serva, nem o seu boi, nem o seu jumento, nem coisa alguma do teu próximo” (Êxodo 20:17) — O décimo mandamento fere a própria raiz de todos os pecados, proibindo o desejo egoísta, do qual nasce o ato pecaminoso. Aquele que em obediência à lei de Deus se abstém de condescender mesmo com um desejo pecaminoso daquilo que pertence a outrem, não será culpado de um ato mau para com seus semelhantes. {PP 218.2}
Tais foram os sagrados preceitos do Decálogo, proferidos entre trovões e chamas, e com maravilhosa manifestação de poder e majestade do grande Legislador. Deus acompanhou a proclamação de Sua lei com mostras de Seu poder e glória, para que Seu povo nunca se esquecesse daquela cena, e tivesse a impressão de uma profunda veneração pelo Autor da lei, o Criador do Céu e da Terra. Desejava mostrar também a todos os homens a santidade, a importância e a permanência de Sua lei. {PP 218.3}
O povo de Israel estava dominado pelo pavor. O terrível poder da fala de Deus parecia tal que o não poderiam suportar seus trêmulos corações. Pois, ao ser apresentada diante deles a grande regra de justiça de Deus, compenetraram-se, como nunca antes, do caráter ofensivo do pecado, e de sua própria culpabilidade à vista de um Deus santo. Recuaram da montanha com medo e espanto. A multidão clamou a Moisés: “Fala tu conosco, e ouviremos; e não fale Deus conosco, para que não morramos”. Êxodo 20:19-21. O líder respondeu: “Não temais, que Deus veio para provar-vos, e para que o Seu temor esteja diante de vós, para que não pequeis.” O povo, entretanto, permaneceu à distância, olhando com terror a cena, enquanto Moisés “se chegou à escuridade onde Deus estava”. {PP 218.4}
A mente do povo, cega e aviltada pela escravidão ao paganismo, não estava preparada para apreciar completamente os princípios de grande alcance dos dez preceitos de Deus. Para que pudessem os deveres expressos no Decálogo ser entendidos e impostos mais plenamente, deram-se preceitos adicionais, ilustrando os princípios dos Dez Mandamentos e dando-lhes aplicação. Estas leis foram chamadas juízos, tanto porque eram organizadas com sabedoria e equidade infinitas, como porque deveriam os magistrados julgar de acordo com elas. Diferente dos Dez Mandamentos, foram transmitidas particularmente a Moisés, que as deveria comunicar ao povo. {PP 218.5}
A primeira destas leis referia-se aos servos. Nos tempos antigos, os criminosos eram algumas vezes vendidos como escravos pelos juízes; nalguns casos os devedores eram vendidos pelos seus credores; e a pobreza levava mesmo pessoas a vender a si ou a seus filhos. Um hebreu, porém, não podia ser vendido como escravo para toda a vida. Seu prazo de serviço limitava-se a seis anos; no sétimo deveria ser posto em liberdade. O furto de homens, o assassínio premeditado, e a rebelião contra a autoridade paterna, eram punidos com a morte. Era permitida a manutenção de escravos que não fossem israelitas de nascimento, mas sua vida e pessoa eram estritamente guardadas. O assassino de um escravo devia ser castigado; um agravo infligido a um deles pelo seu senhor, ainda que fosse a perda de um dente, dava o direito à liberdade. {PP 219.1}
Os próprios israelitas tinham sido recentemente escravos, e agora que iam ter servos sob suas ordens, deviam guardar-se de alimentar um espírito de crueldade e extorsão, de que haviam sofrido sob os maiorais de tarefas no Egito. A lembrança de sua amarga servidão devia habilitá-los a colocar-se no lugar do servo, levando-os a ser benévolos e compassivos, a tratar os outros como desejariam fossem eles mesmos tratados. {PP 219.2}
Os direitos das viúvas e órfãos eram especialmente resguardados, e ordenava-se uma escrupulosa atenção à sua desajudada condição. “Se de alguma maneira os afligirdes”, declarou o Senhor, “e eles clamarem a Mim, Eu certamente ouvirei o seu clamor. E a Minha ira se acenderá, e vos matará à espada; e vossas mulheres ficarão viúvas, e vossos filhos órfãos”. Êxodo 22:23, 24. Os estrangeiros que se uniam a Israel deviam ser protegidos de mal ou opressão. “Não oprimirás o estrangeiro; pois vós conheceis o coração do estrangeiro, pois fostes estrangeiros na terra do Egito”. Êxodo 23:9. {PP 219.3}